sexta-feira, 15 de agosto de 2014

EXISTE SAÍDA PRA COMPULSÃO A REPETIÇÃO ?


O presente trabalho versa sobre o conceito de com/pulsão a repetição, através dos ensinamentos de Freud a Lacan, traçando uma análise entre a conceituação teórica e suas implicâncias clínicas. O conceito de pulsão sempre foi descrito na obra freudiana como um dualismo, no início dividido entre pulsão sexual e de auto-conservação e posteriormente como pulsão de vida e morte, e somente ao final da obra freudiana é que este conceito aparece como fusão, amalgamados. A partir do seminário 11 é que Lacan escreve sobre “os quatro conceitos fundamentais em psicanálise” pautados em uma releitura freudiana e com uma autonomia diferencial, após ter se afastado dos pensamentos institucionais. Lacan nos apresenta então o avanço de Freud neste conceito, através do desejo que surge no sujeito em análise e partir do qual se pode desvencilhar da demanda, trazendo uma contribuição sobre o desejo do analista que permite o analisante, diluir e/ou diminuir a compulsão repetição através do simbólico, tendo outra satisfação que não a compulsão a repetição marcada pela pulsão de morte. Este trabalho pretende propor uma leitura para esta problemática clínica sobre a repetição.

Atualmente são frequentes os questionamentos sobre o tema da Repetição, que Freud escreveu particularmente em dois textos em especial, “Recordar, repetir e elaborar” e “Além do Princípio do Prazer”, haja vista que a partir da ideia freudiana esta compulsão a repetição estaria alimentada pela pulsão de morte. E este é o ponto em que justifica a o questionamento que impulsiona este trabalho. Será que o analista em sua intervenção, consegue modificar o circuito pulsional para que o sujeito tenha acesso a outra satisfação que não seja a repetição?

A compulsão a repetição, segundo os ensinamentos de Roudinesco, 1998, surgiu desde muito cedo na obra freudiana, como uma das dimensões constitutivas da noção de inconsciente, impossível de dominar e que obriga o sujeito a reproduzir sequencias (atos, ideias, pensamentos ou sonhos) que em sua origem, foram geradoras de sofrimento, e que conservaram esse caráter doloroso. É proveniente do campo pulsional e possui um caráter de insistência conservadora.

A ideia de compulsão á repetição no Projeto para uma psicologia científica (1895) aparece como algumas quantidades de energia que transpõem barreiras de contato, com isso ocasionando dor, mas também abrindo uma passagem que tenderá a se tornar permanente e como tal, fonte de prazer.

Em suas cartas a Fliess de dezembro de 1896, ele constatou que: incidentes sexuais, geradores de prazer no momento de sua produção, provocam em certos sujeitos desprazer quando ao seu posterior reaparecimento sob forma de lembranças, ao passo que em outros, dão origem a compulsões.

Para Roudinesco, 1998, Freud fez da compulsão a repetição um objeto autônomo de sua reflexão no artigo que ele escreve em 1914 “Recordar, Repetir e Elaborar”. De uma análise para outra essa compulsão a repetição estaria ligada a transferência mesmo não constituindo a totalidade da transferência. É uma maneira de lembrar, mas só que mais insistente, pois na medida em que resiste a uma rememoração cuja conotação sexual lhe desperta vergonha. “É no manejo da transferência”, escreveu Freud apud Roudinesco, que encontramos o principal papel de barrar a compulsão a repetição e transformá-la em uma razão para lembrar.

Neste texto de 1914, Freud relata sobre o esquecimento  dos pacientes na clínica, em que, em alguns casos essa amnésia, como das histéricas, essas coisas esquecidas são contrabalanceadas pelas lembranças encobridoras. “Não apenas algo, mas a totalidade do que é essencial na infância foi retido nessas lembranças” (Freud, 1914, p. 194). Assim como aponta sobre um outro grupo de processos psíquicos tais como: fantasias, processos de referência, impulsos emocionais, vinculações de pensamento, que, como atos puramente internos, não podem ser contratados com impressões e experiências mais tem relação com o esquecer e o recordar. Assim como, os casos em que o paciente não recorda mas expressa isso através da atuação (acting-out). Onde o sujeito reproduz a lembrança como ação, repete sem saber o que esta repetindo. E neste item, Freud cita pela primeira vez o termo “Compulsão a Repetição”, pois este irá trabalhar mais adiante, em 1920, mas aqui a importância do termo esta vinculada na relação da repetição com a transferência e a resistência.

Nos ensinando que, o principal instrumento para reprimir a compulsão a repetição é transformá-la num motivo para recordar, e isso reside no manejo da transferência, em que representa um duelo árduo tanto para paciente o sujeito em análise  quanto  uma prova de paciência para o analista, pois ao trazer alguns conteúdos  a tona, a resistência se ergue com força, como uma barreira. Todavia esta parte do trabalho analítico efetua as maiores mudanças no paciente e distingue o tratamento analítico dos outros.

É no texto de 1920, como citado acima, que Freud aponta a comparação a brincadeira do Fort-da e também através das neuroses de guerra, nas quais os sujeitos não cessam de reviver episódios dolorosos. Essas formas de compulsão a repetição eram realmente o aspecto assumido pelo retorno do recalque. Essa força pulsional que produz a repetição da dor, traduz a impossibilidade de escapar de um movimento regressivo, quer seu conteúdo seja desprazeroso ou não. A partir desse pensamento se postula a ideia de que há uma tendência a um retorno a origem, ao estado de repouso absoluto, de não vida, que pressupõe a passagem pela morte.

A compulsão a repetição se opõe ao deslocamento significante, ao invés de recordar, o sujeito repete, e esta repetição produz uma satisfação inconsciente que está intimamente ligada a pulsão de morte. Por não entrar no discurso, a repetição, não está ligada as leis do processo primário (deslocamento e condensação) mas está por fora, o que se repete então é esta intenção de ligar.

Retornando ao texto de 1914, sobre o Narcisismo, já que no texto, Além do Princípio do Prazer existe uma nota de rodapé que sintetiza a evolução da teoria das pulsões explicando que a hipótese da libido do Eu o obrigou a rever o conceito de pulsão sexual que se transformou em parte de Eros, a pulsão de vida. A originalidade do texto de 1920 é a pulsão de morte e os fenômenos da repetição. Mas na trajetória freudiana este conceito esta em constante revisão e desenvolvimento.

Adiante, em 1932, Freud aborda o último conceito de pulsão em sua obra, em que as pulsões de vida e morte aparecem amalgamadas, fundidas.

Através dos ensinamentos de Jacques Lacan, e os avanços desta temática através de sua perspectiva relida da obra freudiana. Lacan escreve sobre este conceito após sua separação das instituições, o que trouxe uma reorientação ao seu trabalho.

Lacan, no seminário 11, “Os quarto conceitos fundamentais da psicanálise”, faz uma releitura de até então sobre a revisão dos conceitos, apontando os quatro pilares da psicanálise: o inconsciente, a repetição, a transferência e a pulsão. É precisamente aí que encontramos respaldo teórico para contextualizar o referido trabalho. Portanto, não é possível dizer que a psicanálise reduz totalmente a compulsão à repetição, já que a repetição é real, mas a psicanálise reduz o gozo do sintoma. Então, o sujeito se dá conta de suas repetições durante o percurso de uma análise, e é preciso que o analista o conduza a um outro momento lógico em que essa repetição não tenha mais tanta força e, mesmo que ele repita, será de outra forma.

Alguns outros autores lacanianos também vieram contribuir para a compreensão do tema, traçando pontos de vistas emergentes sobre a clínica e sobre a própria visão lacaniana do tema, ao teorizarem sobre o desejo do sujeito em análise, que emerge, e também do desejo do analista, que, por ser um desejo sem objeto como os outros,  é um desejo de se obter a diferença absoluta, que é o nome do gozo do sujeito, que tem como substância de um sujeito uma vez caída as identificações. E uma vez que as identificações caem, aparece o traço distintivo, que produz uma separação com o outro, produz uma diferença, até fazer emergir o que Lacan chamou mais tarde de poema do sujeito.

Abreu Lima (2008), ao se referir ao texto “Angústia e sua Relação com o desejo”, do seminário VIII de Lacan, nos faz refletir sobre as afirmações de Lacan quando diz que o apoio encontrado no desejo, por mais incômodo que seja por sua carga de culpa, é muito mais fácil de sustentar do que a relação com a angústia, uma vez que os incidentes que reativam para o sujeito a perda do objeto só estariam assegurados por um desejo bem provido. Assim podemos encerrar nosso trabalho, confiante de que é possível uma análise levar o sujeito a atravessar a repetição com uma satisfação inédita e, sobretudo, com uma nova forma em relação ao gozo,

A psicanálise não ensina o sentido da vida, mas, ao questionar o sujeito sobre sua história e suas escolhas, permite-lhe um novo modo de se relacionar com sua história, reconhecendo felicidades possíveis, se reconhecendo e sendo ele o autor de sua própria história.

REFERÊNCIAS

FREUD, Sigmund. Escritos sobre a psicologia do inconsciente. Tradução de Luiz Alberto Hanns. Rio de Janeiro: Imago, 2004, p. 133-173.

FREUD, Sigmund. Mais Além do Princípio do Prazer (1920-22) - v. 18. 1ª ed. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

FREUD, Sigmund. Publicações Pré-Psicanalíticas e Esboços Inéditos. (1886-99) - v. 1. 3ª ed. Rio de Janeiro: Imago, 1989, p. 387-547.

FREUD, Sigmund. O caso de Schreber, artigos sobre a técnica e outros trabalhos. (1911/1913). 1ª ed. Rio de Janeiro: Imago, 1969.

IZCOVICH, Luis. Los afectos en la experiencia analítica. Medelin: UPB, 2011, p. 95-130.

IZCOVICH, Luiz. O desejo do analista. Seminário de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano de Fortaleza/CE. Informação Verbal, em Março de 2013.

LACAN, Jacques.  Seminário livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

LIMA, Alba Abreu. Amor e transferência analítica: tiquê e automaton. Seminário de Psicanálise de Joinville/SC. Informação Verbal, em novembro de 2008.

ROUDINESCO, Elisabeth e PLON, Michel. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p.146, 445-450.