quarta-feira, 26 de novembro de 2014
sexta-feira, 15 de agosto de 2014
EXISTE SAÍDA PRA COMPULSÃO A REPETIÇÃO ?
O
presente trabalho versa sobre o conceito de com/pulsão a repetição, através dos
ensinamentos de Freud a Lacan, traçando uma análise entre a conceituação
teórica e suas implicâncias clínicas. O conceito de pulsão sempre foi descrito
na obra freudiana como um dualismo, no início dividido entre pulsão sexual e de
auto-conservação e posteriormente como pulsão de vida e morte, e somente ao
final da obra freudiana é que este conceito aparece como fusão, amalgamados. A
partir do seminário 11 é que Lacan escreve sobre “os quatro conceitos
fundamentais em psicanálise” pautados em uma releitura freudiana e com uma
autonomia diferencial, após ter se afastado dos pensamentos institucionais.
Lacan nos apresenta então o avanço de Freud neste conceito, através do desejo
que surge no sujeito em análise e partir do qual se pode desvencilhar da
demanda, trazendo uma contribuição sobre o desejo do analista que permite o
analisante, diluir e/ou diminuir a compulsão repetição através do simbólico,
tendo outra satisfação que não a compulsão a repetição marcada pela pulsão de
morte. Este trabalho pretende propor uma leitura para esta problemática clínica
sobre a repetição.
Atualmente
são frequentes os questionamentos sobre o tema da Repetição, que Freud escreveu
particularmente em dois textos em especial, “Recordar, repetir e elaborar” e
“Além do Princípio do Prazer”, haja vista que a partir da ideia freudiana esta
compulsão a repetição estaria alimentada pela pulsão de morte. E este é o ponto
em que justifica a o questionamento que impulsiona este trabalho. Será que o
analista em sua intervenção, consegue modificar o circuito pulsional para que o
sujeito tenha acesso a outra satisfação que não seja a repetição?
A
compulsão a repetição, segundo os ensinamentos de Roudinesco, 1998, surgiu
desde muito cedo na obra freudiana, como uma das dimensões constitutivas da
noção de inconsciente, impossível de dominar e que obriga o sujeito a
reproduzir sequencias (atos, ideias, pensamentos ou sonhos) que em sua origem,
foram geradoras de sofrimento, e que conservaram esse caráter doloroso. É
proveniente do campo pulsional e possui um caráter de insistência conservadora.
A ideia de
compulsão á repetição no Projeto para uma psicologia científica (1895) aparece
como algumas quantidades de energia que transpõem barreiras de contato, com
isso ocasionando dor, mas também abrindo uma passagem que tenderá a se tornar
permanente e como tal, fonte de prazer.
Em suas
cartas a Fliess de dezembro de 1896, ele constatou que: incidentes sexuais,
geradores de prazer no momento de sua produção, provocam em certos sujeitos
desprazer quando ao seu posterior reaparecimento sob forma de lembranças, ao
passo que em outros, dão origem a compulsões.
Para
Roudinesco, 1998, Freud fez da compulsão a repetição um objeto autônomo de sua
reflexão no artigo que ele escreve em 1914 “Recordar, Repetir e Elaborar”. De
uma análise para outra essa compulsão a repetição estaria ligada a
transferência mesmo não constituindo a totalidade da transferência. É uma
maneira de lembrar, mas só que mais insistente, pois na medida em que resiste a
uma rememoração cuja conotação sexual lhe desperta vergonha. “É no manejo da
transferência”, escreveu Freud apud Roudinesco,
que encontramos o principal papel de barrar a compulsão a repetição e
transformá-la em uma razão para lembrar.
Neste
texto de 1914, Freud relata sobre o esquecimento dos pacientes na clínica, em que, em alguns
casos essa amnésia, como das histéricas, essas coisas esquecidas são
contrabalanceadas pelas lembranças encobridoras. “Não apenas algo, mas a totalidade
do que é essencial na infância foi retido nessas lembranças” (Freud, 1914, p.
194). Assim como aponta sobre um outro grupo de processos psíquicos tais como:
fantasias, processos de referência, impulsos emocionais, vinculações de
pensamento, que, como atos puramente internos, não podem ser contratados com
impressões e experiências mais tem relação com o esquecer e o recordar. Assim
como, os casos em que o paciente não recorda mas expressa isso através da
atuação (acting-out). Onde o sujeito
reproduz a lembrança como ação, repete sem saber o que esta repetindo. E neste
item, Freud cita pela primeira vez o termo “Compulsão a Repetição”, pois este
irá trabalhar mais adiante, em 1920, mas aqui a importância do termo esta
vinculada na relação da repetição com a transferência e a resistência.
Nos
ensinando que, o principal instrumento para reprimir a compulsão a repetição é
transformá-la num motivo para recordar, e isso reside no manejo da
transferência, em que representa um duelo árduo tanto para paciente o sujeito
em análise quanto uma prova de paciência para o analista, pois
ao trazer alguns conteúdos a tona, a
resistência se ergue com força, como uma barreira. Todavia esta parte do
trabalho analítico efetua as maiores mudanças no paciente e distingue o
tratamento analítico dos outros.
É no texto
de 1920, como citado acima, que Freud aponta a comparação a brincadeira do
Fort-da e também através das neuroses de guerra, nas quais os sujeitos não
cessam de reviver episódios dolorosos. Essas formas de compulsão a repetição
eram realmente o aspecto assumido pelo retorno do recalque. Essa força
pulsional que produz a repetição da dor, traduz a impossibilidade de escapar de
um movimento regressivo, quer seu conteúdo seja desprazeroso ou não. A partir
desse pensamento se postula a ideia de que há uma tendência a um retorno a
origem, ao estado de repouso absoluto, de não vida, que pressupõe a passagem
pela morte.
A
compulsão a repetição se opõe ao deslocamento significante, ao invés de
recordar, o sujeito repete, e esta repetição produz uma satisfação inconsciente
que está intimamente ligada a pulsão de morte. Por não entrar no discurso, a
repetição, não está ligada as leis do processo primário (deslocamento e
condensação) mas está por fora, o que se repete então é esta intenção de ligar.
Retornando
ao texto de 1914, sobre o Narcisismo, já que no texto, Além do Princípio do
Prazer existe uma nota de rodapé que sintetiza a evolução da teoria das pulsões
explicando que a hipótese da libido do Eu o obrigou a rever o conceito de
pulsão sexual que se transformou em parte de Eros, a pulsão de vida. A
originalidade do texto de 1920 é a pulsão de morte e os fenômenos da repetição.
Mas na trajetória freudiana este conceito esta em constante revisão e
desenvolvimento.
Adiante,
em 1932, Freud aborda o último conceito de pulsão em sua obra, em que as
pulsões de vida e morte aparecem amalgamadas, fundidas.
Através
dos ensinamentos de Jacques Lacan, e os avanços desta temática através de sua
perspectiva relida da obra freudiana. Lacan escreve sobre este conceito após
sua separação das instituições, o que trouxe uma reorientação ao seu trabalho.
Lacan, no
seminário 11, “Os quarto conceitos fundamentais da psicanálise”, faz uma
releitura de até então sobre a revisão dos conceitos, apontando os quatro
pilares da psicanálise: o inconsciente, a repetição, a transferência e a
pulsão. É precisamente aí que encontramos respaldo teórico para contextualizar
o referido trabalho. Portanto, não é possível dizer que a psicanálise reduz
totalmente a compulsão à repetição, já que a repetição é real, mas a
psicanálise reduz o gozo do sintoma. Então, o sujeito se dá conta de suas
repetições durante o percurso de uma análise, e é preciso que o analista o
conduza a um outro momento lógico em que essa repetição não tenha mais tanta
força e, mesmo que ele repita, será de outra forma.
Alguns
outros autores lacanianos também vieram contribuir para a compreensão do tema,
traçando pontos de vistas emergentes sobre a clínica e sobre a própria visão
lacaniana do tema, ao teorizarem sobre o desejo do sujeito em análise, que
emerge, e também do desejo do analista, que, por ser um desejo sem objeto como
os outros, é um desejo de se obter a
diferença absoluta, que é o nome do gozo do sujeito, que tem como substância de
um sujeito uma vez caída as identificações. E uma vez que as identificações
caem, aparece o traço distintivo, que produz uma separação com o outro, produz
uma diferença, até fazer emergir o que Lacan chamou mais tarde de poema do
sujeito.
Abreu Lima
(2008), ao se referir ao texto “Angústia e sua Relação com o desejo”, do
seminário VIII de Lacan, nos faz refletir sobre as afirmações de Lacan quando
diz que o apoio encontrado no desejo, por mais incômodo que seja por sua carga
de culpa, é muito mais fácil de sustentar do que a relação com a angústia, uma
vez que os incidentes que reativam para o sujeito a perda do objeto só estariam
assegurados por um desejo bem provido. Assim podemos encerrar nosso trabalho,
confiante de que é possível uma análise levar o sujeito a atravessar a
repetição com uma satisfação inédita e, sobretudo, com uma nova forma em
relação ao gozo,
A psicanálise
não ensina o sentido da vida, mas, ao questionar o sujeito sobre sua história e
suas escolhas, permite-lhe um novo modo de se relacionar com sua história,
reconhecendo felicidades possíveis, se reconhecendo e sendo ele o autor de sua
própria história.
REFERÊNCIAS
FREUD, Sigmund. Escritos sobre a psicologia do inconsciente. Tradução de Luiz
Alberto Hanns. Rio de Janeiro: Imago, 2004, p. 133-173.
FREUD, Sigmund. Mais Além do Princípio do Prazer
(1920-22) - v. 18. 1ª ed. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
FREUD, Sigmund. Publicações Pré-Psicanalíticas e Esboços Inéditos. (1886-99) - v.
1. 3ª ed. Rio de Janeiro: Imago, 1989, p. 387-547.
FREUD, Sigmund. O caso de Schreber, artigos sobre a técnica e outros trabalhos.
(1911/1913). 1ª ed. Rio de Janeiro: Imago, 1969.
IZCOVICH, Luis. Los afectos en la experiencia analítica.
Medelin: UPB, 2011, p. 95-130.
IZCOVICH, Luiz. O desejo do analista.
Seminário de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano de Fortaleza/CE.
Informação Verbal, em Março de 2013.
LACAN, Jacques. Seminário
livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro:
Zahar, 2011.
LIMA, Alba Abreu. Amor e transferência analítica: tiquê e automaton. Seminário de
Psicanálise de Joinville/SC. Informação Verbal, em novembro de 2008.
ROUDINESCO, Elisabeth e PLON, Michel. Dicionário de Psicanálise. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p.146, 445-450.
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