Simpósio: Abordagens para a Prática Clínica, um diálogo possível? (26/03/2022) Evento promovido pela Visus cursos e consultoria
Daniele
Baggio[i]
1)
Q Qual a motivação humana para
abordagem psicanalítica?
Podemos
tentar responder esta pergunta com Lacan: “só há uma demanda verdadeira para se dar início a uma análise — a de se desvencilhar
de um sintoma.
Denise
Maurano em seu livro: Pra que serve a psicanálise? (2003) nos diz que: quando
alguém vem pedir ajuda a um analista é obviamente porque está sofrendo ou, no
mínimo, tem alguma questão que está intrigando. Senão, nem tem sentido o
encontro. É certo que, as vezes, a pessoa não tem muita ideia do que a traz. As
vezes diz: Ah, eu vim porque minha mãe quer que eu venha. “ou: meu médico disse
que eu precisava”. ou ainda, é importante para o meu trabalho eu me conhecer
melhor. “São incontáveis as formas de as
pessoas chegarem. A questão é que esse pedido de ajuda precisa ser avaliado
para que o analista averigue se há algo a ser feito que seja da competência da
sua função.
Nem todo
sofrimento, ainda que seja um sofrimento psíquico, está na ordem de competência
da intervenção de um analista. São inúmeras as questões e respondo-as dizendo
que a psicanálise é indicada para tratar todo tipo de doença, dado que não
tratamos a doença mas o sujeito que nela está implicado, ou seja, o sujeito que
faz da doença um sintoma que chamamos analítico.
Isto é,
qualquer sintoma que seja tomado pelo sujeito como fonte de questionamento de
si mesmo. É isso que faz com que o sintoma seja analisável. É claro também que
não se trata de um questionamento qualquer: trata-se de um questionamento
dirigido ao saber inconsciente, saber que o analista deve dar suporte, ou mesmo
dirigido a psicanálise, desencadeado ás vezes em um sujeito antes mesmo de ele
ter escolhido um analista para o acompanhar.
Um
questionamento dirigido pela aposta de que existe, em alguma esfera do meu
psiquismo, um saber que age em mim, através de uma outra lógica que não aquela
que eu reconheço conscientemente.
Dito de
outro modo, um sujeito que procura por uma psicanalise por vezes é um sujeito
que sofre em demasia. Todos os sujeitos sofrem, mas alguns sofrem
demasiadamente.
Renato
Mezan em seu livro “O Enigma da Esfinge” tenta responder a isto de uma forma
muito instigante, de que um sujeito não escolhe uma “abordagem” por sintoma,
tempo de duração, valor, objetivo, demérito á outra abordagem, tampouco escolhe
baseado na angústia.
Grifo meu:
Um sujeito que escolhe uma psicanálise escolhe também se implicar fazer uma
questão sobre seu adoecimento/sintoma/queixa, querer saber o que isto
significa, quais são suas causas e por que de tantas consequências.
As
entrevistas preliminares em psicanálise servem justamente para isto, para
discernir e inclusive ajudar o sujeito a escolher o que melhor lhe compete
naquela ocasião. Por que escolher um tratamento, longo, por vezes honeroso e
certamente doloroso, não é para alguém que quer se conhecer. É por que algo do
sofrimento atravessou e aquele sujeito em questão não quer apenas se
desvencilhar do mal-estar e ou reduzir o sintoma, mas tratar sua causa, saber de sua origem e
porque aquele sintoma se formou.
2)
O
adoecimento e a saúde mental nesta abordagem
Esta é uma
pergunta interessantíssima uma vez que para a psicanálise o conceito de saúde
mental conforme Freud (1932-33) é essencialmente amar e trabalhar. Em linhas
gerais sabemos que o desequilíbrio nestes pilares da vida causa abalos
desestabilizantes ou o sujeito sofre de amor ou de trabalho, ou dos dois.
Freudianamente
falando também sabemos que o adoecimento e/ou a formação de um sintoma é uma
carta de amor. E como toda carta de amor, esta, deve ser lida, muitas vezes
traduzida. Esta é a função de um analista. Uma vez que o sintoma quer falar,
mas sua linguagem não é tão simplesmente decifrável. Saber qual o destinatário
da carta e o que isto significa.
Cito Freud:
“Os sintomas e referimo-nos aqui, naturalmente, aos sintomas psíquicos, são
atos prejudiciais à vida como um todo, ou pelo menos inúteis, dos quais
frequentemente a pessoa se queixa como algo indesejado e que traz sofrimento ou
desprazer. O principal dano que causam é o custo psíquico que envolvem além
daquele necessário para combate-lo esses dois custos podem resultar num
extraordinário empobrecimento de energia psíquica disponível e assim, numa
paralização do enfermo no tocante as tarefas importantes de sua
vida”. (FREUD, 1916-17 p. 476).
Em
1926/1980 “Inibição, Sintoma e Angústia” Freud apresenta o sintoma como “um
sinal e um substituto de uma satisfação pulsional que permaneceu em estado
jacente; [o sintoma] é uma consequência do processo de recalcamento” (Freud,
1926/1980, p. 112).
Com Freud
aprendemos que a causação da neurose se dá pela predisposição mediante a
fixação da libido + vivências traumáticas acidentais (FREUD, 1916-17, p.
480).
Dito de
outro modo, há algo na realidade atual que abala o psiquismo e que a partir
deste “acontecimento” o sujeito passa a formar um sintoma, ou a melhor dizendo
desencadear algo que já estava alí mais ainda não havia “precisado” se
manifestar. Lembrando que para
psicanálise o sintoma é sempre uma defesa, uma espécie de proteção de algo que
o psiquismo não consiga suportar naquela ocasião. O que preocupa é que na
maioria das vezes este sintoma que na verdade nos serve como sinal de algo não
está em seu melhor estado de funcionamento é negligenciado, anestesiado com
excesso de medicamentos, drogas, álcool, atos, etc e tantos outras formas de
“fuga” de tratar a questão adequadamente. O que só agrava e torna cada vez
insuportável o nível de angústia. O sintoma impede o sujeito de seu desejo, e
isso talvez seja uma das coisas mais caras que se “pague” na vida, pela doença
e pela ignorância, cito Freud: “nada na vida é tão caro quanto a doença e a
estupidez” (1913).
3)
O
processo de mudança nesta abordagem
Há
algo que ocorre logo no início de uma psicanalise que Freud nomeou de
“tratamento de ensaio” (1913/1914), isto é um período de algumas semanas/meses
em que o sujeito faz algumas entrevistas, Lacan denominou: entrevistas
preliminares. Na psicologia chamamos de:
entrevistas iniciais ou contrato. Nesta perspectiva teórica, tais
entrevistas tem três funções: a de: diagnóstico, a de estabelecimento ou verificação
da transferência e a função sinto-mal, aqui estou citando Antonio Quinet em seu
livro: As 4+ 1 condições da análise. Esta função “sinto-mal” ela é compreendida como função a medida que o sujeito
passa do estatuto de queixa, que é como ele chega (vitimizado) ao estatuto de
causa (responsabilização e giro desta condição) isto é, há uma pequena
“mudança” logo no início do tratamento que é na maneira como sujeito conta
acerca de sua história e como se implica com seu próprio adoecimento.
Dito
isto, também é comum que o sintoma - queixa, este inicial em que o sujeito
chega até a análise ele reduza ou desapareça rapidamente. O que não quer dizer
que esteja solucionado ou tratado. Mas, o fato do sujeito falar, “tratamento
pela fala” como diria Freud, já começa a trazer efeitos terapêuticos.
Porém
falar em mudança já é algo mais complexo ou que pelo menos nos instiga a mais
estudos e questionamentos. Uma das questões que me ocorre pensar é: o sujeito
realmente muda? ou a relação dele com a coisa é que muda? Não que isso seja
pouco, mas só para problematizar ou instigar, porque em psicanálise também
sabemos que a repetição está aí para nos mostrar que “não cessa de não se
inscrever”, portanto a questão que eu deixo é esta, os efeitos terapêuticos são
consideráveis, a perspectiva diferente que o sujeito tem diante da vida é
inegável, mas o traumático está e sempre estará alí, mas visto ou sentido de
outro modo. Podemos chamar isto de mudança?
Bernard
Nominé em sua última conferência no último dia 12/03/22 em no Fórum Fortaleza
nos disse: “Uma análise possibilita que se troque o objeto da pulsão. No fim da
análise, a pulsão não desaparece. Mesmo na sublimação, a pulsão segue pulsando,
mas com outro objetivo, o qual toma distância da repetição e da morte. Como viver
a pulsão, que, no fundo, tem a ver com a morte? Trata-se disso: VIVER a pulsão
e não apenas lidar com ela. O que mais se opõe à pulsão de morte é o AMOR.
Oui,
"a morte se desconta vivendo"
Referências:
FREUD,
S. OBRAS COMPLETAS, VOL. 13. CONFERÊNCIAS
INTRODUTÓRIAS Á PSICANÁLISE. SÃO PAULO: CIA DAS LETRAS, 2014, P. 475-500.
FREUD,
S. O CASO SCHREBER, ARTIGOS SOBRE A TÉCNICA E OUTROS TRABALHOS. (1911/1913).
1ª ed. Rio de Janeiro: Imago, 1969.
FREUD,S. “INIBIÇÃO,
SINTOMA E ANGÚSTIA. ”(1926),v.20, Rio de Janeiro: Imago,1976, p.95-207.
FREUD,S. NOVAS
CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS SOBRE PSICANÁLISE (1933 [1932]). Rio de Janeiro:
Imago, 1933.
MAURANO,
Denise. Para que serve a psicanálise? 3ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed.
2010.
64p.
MEZAN,
Renato. O enigma da esfinge: ensaios de psicanálise. 3 ed. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2002.
NOMINÉ,
Bernard. XV Seminário do Campo Lacaniano de Fortaleza em 12/03/22.
QUINET,
Antonio. As 4+1 Condições da Análise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. Ed. 2009.