Daniele Baggio[1]
O
questionamento que propicia o aprofundamento deste estudo, é acerca da
incidência do sintoma no corpo como um enigma tão presente na clínica
psicanalítica. Traçar uma compreensão sobre a inscrição do significante no
corpo passando pela pulsão enquanto efeito de linguagem e a formação dos
sintomas.
Izcovich,
2009, p. 107 descreve que o desejo humano se constituiu a partir do desejo
materno, que marca a necessidade do bebê ao introduzir significantes. Por outro
lado o bebê se apropria dos significantes do Outro (necessidade que se converte
em demanda). Marca que se inscreve no corpo, dos cuidados do Outro.
Essa
inscrição no corpo aparece definida como zonas erógenas. O corpo é libidinizado
pelo Outro de modo uniforme, porém certas zonas são prevalecentes, diferem de
um sujeito a outro.
Há
uma fixação nas zonas erógenas ao ponto de constituir uma condição na
satisfação do corpo que são as bases determinantes na fixação de um sintoma.
(p.55).
Vejamos
Freud p. 477 (1916/1917) Conferências Introdutórias a Psicanálise:
...a
libido é como que barrada e precisa fugir para algum lugar onde possa dar vazão
a energia investida, conforme a exigência do princípio do prazer. Tem de
subtrair-se do Eu. Tal escapatória lhe é permitida pelas fixações no caminho de
seu desenvolvimento que agora ela segue regressivamente, fluxo inverso
investindo essas posições reprimidas. ...enquanto a satisfação lhe acenava era
dócil mais sob a dupla pressão das frustrações exterior e interior ela se torna
rebelde e se lembra de tempos passados e melhores.
A
fixação de um sintoma é o que constituiu o traço perverso polimorfo de todo o
sujeito, a exigência de satisfazer o que a zona erógena reclama. O que
determina de modo específico a satisfação e a inscrição do significante no
corpo. O que faz Lacan dizer (citado por Izcovich 2009, p. 55) que o aparelho
de gozo[2] é sempre feliz.
O
ponto que faz um sujeito recorrer a analise não é por falta de satisfação mas
porque a satisfação que este sujeito busca não é esta, é outra.
Os
sintomas e referimo-nos aqui, naturalmente, aos sintomas psíquicos, são atos
prejudiciais à vida como um todo, ou pelo menos inúteis, dos quais
frequentemente a pessoa se queixa como algo indesejado e que traz sofrimento ou
desprazer. O principal dano que causam é o custo psíquico que envolvem além
daquele necessário para combate-lo...esses dois custos podem resultar num
extraordinário empobrecimento de energia psíquica disponível e assim, numa
paralização do enfermo no tocante as tarefas importantes de sua vida”. (FREUD, 1916-17 p. 476).
De forma resumida para Freud e Lacan
o estado da pulsão é sempre parcial. Lacan citado por Izcovich, 2009, p.55, define
a pulsão a partir da relação de um sujeito marcado pelo significante em conexão
com a demanda do Outro. O sujeito passa pelo “aperto” dos significantes do
Outro para “ter” a satisfação. Existe uma zona do corpo ligada a demanda do
Outro (borda do corpo). A montagem da pulsão é um dispositivo de linguagem que
o sujeito fabrica inconscientemente para ter acesso a pulsão, simbólico e real
estão remontados. “Débora” tem uma espécie de coceira na pele pelo corpo todo formando-se
manchas avermelhadas, o corpo coçante é automático, basta falar sobre o “assunto”
e o sintoma reclama as exigências do Outro, um a-pelo na pele de um corpo que
faz suplência. Nas palavras de Débora:
Tem que A-PELar, né?
Lacan (1976) citado por IZCOVICH,
2009 ao falar sobre a separação com Outro propiciada pela análise diz que a
marca inscrita no corpo é a assinatura que diz: este sou eu, e desta forma
podemos então pensar freudianamente que alguns sintomas são bastante exitosos
no que tange a uma linguagem cifrada que demanda tradução, interpretação,
compreensão de ditos inauditos que se enigmatizam em função de uma demanda tão
cara e essencial ao sujeito.
Com Freud aprendemos que a causação
da neurose se dá pela predisposição mediante a fixação da libido + vivências
traumáticas acidentais (FREUD, 1916-17, p. 480).
Assim como Freud, Lacan também se ocupa do corpo, por que o corpo em
psicanálise é uma pergunta dirigida ao Outro.
Se
a histeria exemplifica o sintoma no corpo, Lacan a chama com um neologismo “Symptraumatise” em francês, este
neologismo põe em manifesto a conexão estreita entre sintoma e trauma, a partir
do qual se pode dizer que a constituição do sintoma fundamental do sujeito,
ligado a neurose infantil, tem como ponto de inserção um trauma. E para Freud o
trauma é sempre sexual. Mas não se trata aqui do sexual, corpo a corpo, mas que
sintoma e trauma se enodam na medida em que o inconsciente fabrica uma resposta
as experiências enigmáticas de gozo no corpo.
Porém
o ponto crucial é que a conjunção entre gozo do corpo enigma é fundadora do
inconsciente, o inconsciente se constitui quando o sujeito assume o enigma do
desejo do Outro, e isto está ligado a uma experiência infantil do corpo.
Os
enigmas do corpo se situam entre dois polos, aqueles que estão relacionados com
o silêncio do corpo e aqueles que se encontram ligados a uma exaltação do gozo
pelo Outro. Todavia as manifestações do corpo adquire um estatuto de enigma e
quando se formula um enigma adquire um caráter de sintoma, que pode ser
transitório ou estável.
A
psicanálise não se limita a decifrar o inconsciente introduzido ao sujeito em
outra dignidade em quanto a seu corpo, nem tampouco pretende tratar as formas
atuais de violência e o modo como os corpos são tratados com um desfecho, a
experiência analítica nos mostra que mudando a relação do sujeito,
concomitantemente se muda também a relação do sujeito com o gozo do Outro.
REFERÊNCIAS:
FREUD,
S. OBRAS
COMPLETAS, VOL. 13. CONFERÊNCIAS INTRODUTÓRIAS Á PSICANÁLISE. SÃO PAULO:
CIA DAS LETRAS, 2014, P. 475-500.
IZCOVICH,
L. El cuerpo y SUS enigmas. Medelin: UPB, 2009.107 p.
LACAN,
Jacques. Seminário livro 11: os quatro
conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
[1]
Psicanalista, ME –EPFCL/BRASIL, FCL-AL (em formação) Ms. em Psicanálise. danielebaggio@yahoo.com.br
Trabalho apresentado no XX Encontro Nacional da
EPFCL-BRASIL “A política do Corpo” em Aracajú Out/2019.
[2] O
aparelho psíquico de Freud equivale a aparelho de gozo de Lacan.