A mãe da
queixa é a mãe da fantasia
Daniele
Baggio[1]
Este
trabalho surge a partir de questionamentos da clínica acerca do tema da
"Devastação" e que se fez produto de um Cartel.
Em
1972, Lacan apud Miranda 2011, p.
137, utiliza o termo ravage
(devastação) para exemplificar a relação de uma mulher com sua mãe. Freud
(1931) em sua conferência sobre a sexualidade feminina menciona essa tal
relação como desastrosa, como uma catástrofe, na qual o autor descreve as
reivindicações e exigências que uma filha endereça a sua mãe, culpando-a ou
responsabilizando-a por todas as suas próprias faltas.
Conforme
Colette Soler, 2005, p. 88, desde as práticas antigas as funções de maternação
é substituível, porém atualmente há uma vinculação maior da mãe ao filho
tornando-se o parceiro exclusivo da criança, e os homens, que sucedem
"companheiros da mãe" são apenas acréscimos. Mas quais seriam as conseqüências
subjetivas disso? A psicanálise também faz parte desta mudança de situação na
civilização.
Desde
Freud sabemos que ele já havia apontado para a ambigüidade erótica dos cuidados
maternos, da qual o sujeito a espera deverá emergir como efeito da fala, esse é
o passo que o autista nunca dá e para qualquer outra criança é senão o primeiro
passo da separação. Todavia muito
dependerá do lugar que o inconsciente materno reserve para este objeto surgido
no Real, se é que lhe é reservado algum, pois há apenas "poedeiras[2]"
de objetos a abandonar, e por não ser um substituto fálico o filho não passa de
um pedaço de carne.
Soler,
2005, p. 94, relata que a solução materna para a falta fálica, na maioria dos
casos, é a maneira como o filho é situado nela, e que marca o destino da
criança. Vejamos:
A
lalingua tem efeitos de inconsciente, por que não é apenas o idioma de sua
região, mas antes, a língua privada do par originário, a língua privada do par
originário, a língua do Eros do corpo-a-corpo cujas palavras deixam marcas pelo
gozo que encerram. (SOLER, 2005, p. 97)
Neste
sentido, é necessário fazer uma breve explanação sobre o gozo no feminino, e o
que seria a devastação a partir disto.
Para
Lacan apud Maria Anita Carneiro
Ribeiro há três formas de Gozo, o Gozo do
sentido situado entre o Imaginário e o Simbólico que tem haver com a fala,
o querer saber mais, querer saber o final da história por exemplo. O Gozo do sintoma (fálico) situado entre o
Real e o Simbólico, o Gozo Outro, situado
entre o Real e o Imaginário.
A devastação
por sua vez, seria o que vimos acima, o que ocorre com Gozo Outro (que escapa a norma fálica) que se presentifica na relação mãe-filha. Isto é, por estar fora
da referência fálica, há uma falta de limite, que passa muitas vezes pela
crueldade, ou seja o Gozo, se arma
dos lados, a mãe devasta a filha, e a filha devasta a mãe.
Lembrando
que Lacan apud Rocha Miranda 2011, p.
267 no seminário 14: a lógica do
fantasia formula o que ele chama de um novo princípio - "Só há gozo do
corpo" ou seja, um corpo é feito para gozar dele mesmo, mas o gozo é
subjetivamente excluído, isto é, o sujeito sendo o golpe que separa o corpo do
gozo. O gozo é uma falha externa ao ser, no entanto isto não impediu Lacan de falar do gozo Outro como o que está no
alvo da fantasia do neurótico, pois a neurose faz consistir o Outro.
Neste
viés, o sujeito neurótico faz o Outro consistir com suas demandas e, quando
isso falha e se depara com a inconsistência do Outro, cai em um Gozo Outro que
o avassala, pois na medida em que não há o que dizer toda a verdade, não há
como dizer o Gozo. O corpo é radicalmente Outro. Nas palavras de Rocha Miranda:
O corpo marcado e esculpido pelo significante falo é o
corpo deserto de gozo cujo objeto está fora do corpo e se faz presente na
fantasia. (ROCHA MIRANDA, 2011, p. 268).
Fantasma
ou fantasia, este termo, segundo Roudinesco (1998), foi usado por Freud no
início para se referir fantasia/imaginação e depois como um conceito para
designar a vida imaginária do sujeito e a maneira como este representa para si
mesmo sua história ou a história de suas origens. Lacan retoma este conceito
freudiano e sublima sua função defensiva, como um modo de defesa contra o
surgimento de um episódio traumático. Lacan postula a fantasia fundamental,
cuja “travessia” pelo paciente assinala a eficácia da análise, materializada
num remanejamento das defesas e numa modificação de sua relação com o gozo. O
matema utilizado denomina lógica da fantasia. Trata-se de explicar a sujeição
originária do sujeito ao outro, entre o sujeito do inconsciente, sujeito
barrado, dividido pelo significante que o constitui, e o objeto (pequeno) a, objeto inapreensível do desejo, que
remete a uma falta, a um vazio do lado do outro.
O Gozo Outro que diz respeito a mulher está no Outro
do corpo, mas não em outro corpo, e sim nela mesma. O gozo Outro feminino é
vivido no corpo, mas conectado ao que jamais significado, conectado ao
verdadeiro furo da estrutura.
Conforme Soler, 2005, p. 97. cabe ao sujeito assumir
ou rejeitar o desejo dela (mãe) uma vocação, sob uma marca de exclusão, sendo o
que lhe resta da liberdade, dizer um Não, quem sabe?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
SOLER, Colette. O que Lacan dizia das mulheres. Rio de
Janeiro: Zahar, 2005, p. 87.
RIBEIRO, Maria Anita. Reunião de Cartel via Skype.
Informação Verbal, em 06.07.2014.
ROUDINESCO, Elisabeth e PLON, Michel. Dicionário de
Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
MIRANDA, Elisabeth da Rocha. Tese de Dissertação de
Doutorado UERJ: O Gozo no Feminino. Rio de Janeiro. 2001, 358p.
FREUD, Sigmund. Sobre a sexualidade feminina.
(1931/1972 ) -v.XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1972.