segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

O conceito de Pulsão em Freud

Por um bom tempo, alguns anos talvez, (rs) decidi dedicar meus estudos e minha tese de mestrado ao conceito de Pulsão fazendo uma interlocussão entre os ensinamentos de Freud e Lacan. Tal questionamento surgiu a partir de uma aula em que Amélia Imbriano, minha renomada orientadora dizia sobre a ética e a responsabilidade do analista na direção e na cura do tratamento de um paciente, ora pois, um analista não pode dirigir a vida de seu paciente, nem mesmo na vida de seus próprios filhos, porém precisa com comprometimento dirigir a cura, o tratamento, tal resposabilidade remete há muitos conceitos em psicanálise, tais como a técnica, o diagnóstico diferencial e a ética da verdade, haja vista que contabilizar, fazer cortar, cifrar um discurso inconsciente é tarefa árdua e precisa. O questinamento que indaga em si, é, como frear, dirigir a pulsão? Se por um lado o conceito de pulsão indica um impulso, uma força oriunda do próprio organismo,  um fator interno que leva o sujeito a um movimento pulsional, a uma satisfação por intermédio de um objeto trazendo alívio ao sujeito, uma descarga de tensão. E por outro lado a pulsão é também um movimento pulsional em direção a um fim. Ou seja o mesmo impulso que leva o sujeito a satisfação de seus desejos é o mesmo impulso que leva a um fim? Ao analizar a obra freudiana em um longo percurso consegue-se perceber que desde o início, no Projeto, Freud já dizia subliminarmente de um conceito monista de pulsão. 
Lancem suas opiniões, vamos discursar?

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

INTERPRETAÇÃO E TRANFERÊNCIA


TEMA: INTERPRETAÇÃO E TRANFERÊNCIA
TÍTULO: DO NÃO CUIDAR AO CUIDADO DA ESCUTA
O presente artigo pretende traçar através da psicanálise a função das entrevistas preliminares haja vista sua distribuição antes lógica do que cronológica em que se divide a função sintomal, a função diagnóstica e primordialmente a função transferencial, através de um relato clínico.
O surgimento do sujeito sob transferência é o que dá o sinal de entrada em análise, e esse sujeito é vinculado ao saber. A resolução de se buscar um analista está vinculada à hipótese de que há um saber em jogo no sintoma ou naquilo de que a pessoa quer se desvencilhar. Sabemos que o estabelecimento da transferência é necessário para que uma análise se inicie, porém ela não é algo condicionado, ela está aí, diz Lacan na Proposição e portanto não é uma função do analista, mas do analisante.
Podemos nos perguntar sobre o principio que diz que o analista não deve desejar nada para seu paciente. A demanda endereçada ao Outro é sempre uma demanda intransitiva, uma demanda sem objeto: "Aquilo que lhe peço não me dê, pois não é isto" (Saber do psicanalista), nos diz Lacan. E neste contraponto de amor de transferência a psicanálise se oferece a escutar para além da demanda, do sintoma, o desejo, isto é permite que o sujeito traga aquilo que puder e como conseguir trazer.
O caso “Tatiana” nos instiga a pensar que no início de um tratamento, o que o sujeito traz difere daquilo que o faz sofrer de fato, mas que a partir da transferência e da lógica da interpretação algo do infantil surge, dando um passo de sentido ao que antes fazia pouco sentido. Todavia Lacan nos ensina em “A Direção da Cura e os Princípios de seu Poder (1957)  que a cura analítica tem uma direção, e é o analista quem dirige, nos lembrando da ética e da responsabilidade enquanto analistas, de uma equivalencia, a lógica da castração.
Escutar o que um paciente fala em sua demanda de raiz, é o que importa e que faz transformar pela via transferencial o significante de não ser cuidado a uma escuta cuidadosa que estabelece o efeito definido por Lacan como o “amor que se dirige ao saber”.  


Caminho

Don Juan de Carlos Castañeda, fala assim dos caminhos da vida: "Olhe cada caminho com cuidado e atenção. Tente-o quantas vezes julgar necessário. Então, faça apenas a si mesmo uma pergunta: possui esse caminho um coração? Em caso afirmativo, o caminho é bom. Caso contrário, ele não tem a menor importância."

sábado, 6 de agosto de 2011

O Saber para a Psicanálise




 Na antiga sociedade grega, consentia - se o saber ao poder, isto é, quem deveria governar seriam aqueles que sabiam contar, pois assim podiam saber repartir, retribuir e assim supõe-se que eram justos.  Na maioria das vezes entregavam-se todas as riquezas para esses que supunham o saber, confiando neles cegamente e correndo o risco de serem enganados. Na república, Platão enfatiza que aqueles que deveriam governar a polis eram os filósofos.
Segundo Nominé (2002, p.58) no mundo civilizado a democracia defende que o saber deve ser compartilhado com todos. Por outro lado, a tirania, a ditadura sempre começam com um confisco do saber.    A equivalência entre saber e poder está fundada no cálculo, na conta, no ciframento, acreditando em tudo aquilo que pode ser cifrado, convertido em saber. O fato é que, hoje em dia, sabe-se que nem tudo pode ser convertido em termos de saber, pois se tornou claro que o saber absoluto é somente idealismo. Para o autor, foi o idealismo de Hegel, filósofo alemão do século XIX que desenvolveu a dialética do senhor e do escravo, na qual se fundamenta a História, já que qualquer História se funda nesse tipo de dialética. Para Hegel, a história acaba com o advento de um saber absoluto, pois o senhor não tem o saber, só o escravo pode produzir a verdade sobre o senhor, porém o escravo que sonha em ser o senhor jamais será senhor do saber. Dessa forma, os dois, senhor e escravo, ficam esperando esse saber absoluto que se daria pelo fim da dialética, isto é, o fim da História. Seria o advento de um saber absoluto, prescindindo do reconhecimento do Outro por ter alcançado o saber universal.
Nominé, em seu texto “A criança e o Saber” (2002) afirma que se o senhor de hoje existe, não seria aquele que domina os demais, é antes aquele que não se recua diante da morte.  A hiância[1] entre saber e poder seria agora uma realidade cotidiana ou, como ensina Lacan, seria o “sintoma” que é testemunha de uma ruptura evidente, de uma discordância, de uma disjunção entre saber e poder.
Além disso, Nominé (2002, p.59) relata  que antes da instauração do ensino obrigatório para todos, o fracasso escolar não existia, pois a criança que fracassa ou está atrasada na escola, não se interessando pelo saber, não cria problemas para si pois essa criança é um grande problema para os professores e os pedagogos, já que sobretudo esse é um sintoma do professor, que se dedica a entregar o saber a todos, para que todos tenham as mesmas chances na sociedade, e nisso fracassa. Assim, professores interrogam psicólogos e analistas, supondo que eles tenham as respostas. Esse fracasso escolar é algo estrutural que realça os limites do saber absoluto.
Assim Nominé relata que:
Esse sintoma é o rastro de uma particularidade, é o rastro de que existe um sujeito que escapa da norma imposta, um sujeito que não aceita andar na linha (NOMINÉ, 2002, p.59).

O que nos leva a considerar o inconsciente desse sujeito. Toda criança pode conscientemente fazer todo o possível para responder à demanda do professor, mas o sintoma testemunha a existência de um sujeito inconsciente que se nega a ser como crianças ideais. Mas é claro que a escola vem só delatar essas conseqüências, pois muito antes de se assimilar o saber é que tais problemas ocorrem.
É a partir da família que a ordem pode ser instaurada entre pai, mãe e criança, pois a partir dessa ordenação é que a criança pode construir uma história, interessar-se pelo saber. Nominé (2002, p.60) nos relata que quando se examina sujeitos que têm alguma questão com o saber, com o fracasso escolar, ou com outro tipo de sintoma relacionado ao saber, quase sempre se descobre que algo não funciona bem na família. Lembrando que algo não funciona bem completamente entre pai e mãe em razão de relação sexual ser problemática para seres falantes, pois, para nós, homem e mulher são significantes, o que não remete a nada absoluto, assim, a falta no saber é flagrante.
Apesar de todos os discursos, anatômicos, biológicos, bioquímicos, hormonais sexuais o encontro sexual está governado pelo mal-entendido e pela contingência. A criança nasce desse mal-entendido e quando mostram sintomas são remetidos a este mal-entendido. O sintoma, por sua vez revela que há um sujeito que não adere por completo ao projeto concebido pelos pais. Isso não quer dizer que a criança não queira saber de nada, mas sim que, ao contrário, sabe demais, por ter encontrado muito cedo algo do gozo do Outro, e a única saída para isso é um encontro com uma pessoa que permaneça a distância dessa ordem e isso surge por uma condição da transferência, já que o saber suposto, saber inconsciente não surge quando se espera ou a pedido do analista, mas na surpresa. “Na transferência, o sujeito dá algo que não tem a alguém que não lhe pediu” (NOMINÉ, 2002, p.65).   
Para a Psicanálise, a palavra inteligência não é usual, a esta é atribuída a palavra saber. A criança, segundo Cordié (1996, 108-164 passim), tem uma liberdade de significantes já que experimenta com prazer o aprendizado da língua, ela desvia o sentido das palavras, o que faz rir comumente. Esse aprendizado da língua se faz, portanto, a partir de uma seqüência de tentativas e erros e, diferentemente da máquina, esses erros não podem ser apagados, as associações incongruentes que surgiram no decorrer do tempo elas se mantêm na memória inconsciente e podem ressurgir quando há oportunidade para isso, um exemplo disso é o caso da análise quando se utiliza o recurso da associação livre.
Essa liberdade do significante implica que ele possa assumir outros sentidos, isto é, libertar-se de uma significação dada para juntar-se a outras cadeias do discurso.  A infiltração do registro inconsciente na natureza do discurso está como nos diz Lacan[2] (citado por CORDIÉ, 1996) para além das palavras. Está para além de ler entrelinhas ou ouvir. E esse além das palavras é metáfora, uma palavra é colocada no lugar de outra e dá acesso a vários sentidos.  
Segundo Mrech (Internet, 1999), a criança não repete situações passadas apenas porque elas têm determinados sentidos e significações, repete-as por que passam a se constituir em formas de gozar. E não há outro aparelho de gozo senão a linguagem.
A criança não repete situações desagradáveis apenas para chamar atenção do professor ou dos pais, mas por que aquilo tem um determinado sentido, porque se encontra presa em cadeias de gozo das quais não consegue sair.
Durante muito tempo os psicanalistas acreditaram que bastava o sujeito saber o sentido e os significados das suas ações para mudar. Sabe-se que hoje o problema é muito maior, porque o sujeito está preso a cadeias de gozo, a formas de gozar padronizadas de que não se consegue desvencilhar, nem mesmo saber. Para a referente autora, a linguagem e a fala não dão conta de dizer os sujeitos, as crianças, as vidas e histórias, tendo em vista que o saber tem limites, não é um saber integral, idéia que ela extrai a partir de Lacan, pois o saber não é absoluto como afirmai acima.
Lacan[3] (citado por Mrech, 1999) ensina que o saber é não todo, que nele sempre falta algo, incompleto, e esse saber não pode ser reduzido a um saber universal, completo, total, já que cada um terá que tecer o saber a partir da linguagem e da fala, um saber que tecerá a verdade do sujeito. O saber universal não traz em seu bojo a verdade do sujeito, isto é, demonstrando por que o sujeito agiu de determinada maneira, porque ele se encontra preso às cadeias de gozo, assim como a palavra, as significações e sentidos das ações das crianças elaboradas pelos adultos não dão conta de dizer o que elas pensam, sentem e por isso repetem determinadas ações.
Em sua obra Televisão (1993, p.63) Lacan ensina que, para Kant, o interesse de nossa razão está resumido em três perguntas: Que posso saber? Que devo fazer? Que me é permitido esperar?  A essas questões cabe-nos esclarecer somente sobre o que posso saber, pois segundo Lacan, o próprio discurso não admite a pergunta, já que se supõe um sujeito inconsciente.
Além disso, Lacan responde a essa pergunta dizendo que o que se pode saber é nada que não tenha em todo caso a estrutura da linguagem, mas atesta para a irrupção de um Real, em que a língua não constitui e cifra, isto é, não se pode saber totalmente, pois há uma parte de um todo que se encontra no Real, impossível de ser simbolizada.
Então, pode se dizer que o saber ex-siste para nós no inconsciente, mas que só é articulado a partir dos discursos, haja vista que o sujeito do inconsciente só se situa verdadeiramente a partir do discurso.  “Digo a verdade: não toda, por que dizê-la toda não se consegue. Dizê-la toda é impossível, materialmente: faltam as palavras. É justamente por esse impossível que a verdade provém do Real” (LACAN, 1993, p.11).
Podemos tentar compreender isso também a partir do que Lacan ensina sobre a mulher, dizendo que a Mulher não ex-siste, para a mulher não existe uma significação fálica no encontro com o sexual ainda quando somos crianças, não há um significante como o do homem (pênis), que possa dar sentido a mulher. Falando em nível inconsciente, para ele não há homem e mulher, há os que têm o significante (pênis) e os que não têm, nesse caso a mulher, por isso não ex-siste. Portanto, também não há relação sexual, pois não se faz uma relação só com o Um, daí se dizer que a relação sexual é fracassada.
Dessa forma, os discursos científicos falham por não aceitar esse Real do mundo, o que faz seres alienados por que tentam comprovar cientificamente a existência a descoberta de um todo, esquecendo que até mesmo as palavras, os discursos e o sujeitos estão parcialmente fora desse todo que pode ser simbolizado.
Desse modo o saber para a Psicanálise é algo que existe no inconsciente, que é articulado a partir da fala que, por sua vez, provém da verdade que é não-toda.



[1] Hiância : lacuna, fresta.
[2] LACAN apud CORDIÈ,1996.
[3] LACAN apud MRECH,1999.

Dois Anos sem o Rei do Pop


Dois Anos sem o Rei do Pop


Michael Jackson, assim como milhares de pessoas que simbolizam a arte, nos faz entender que são elas que nos interpretam, que nos comovem. A psicanálise não interpreta; são os artistas que nos interpretam - que nos fazem pensar diferente, ver o mundo diferente. . Todos nós temos algo que nos interroga, sabendo que sempre existe um descompasso entre o que se sente e o que se diz. Vivemos desse descompasso. Os artistas vivem isso mais claro e tem a tarefa, a responsabilidade de sustentá-la.
Um exemplo disso é são as diferentes formas como os fãs de Michael Jackson o veem, seja nas Filipinas, no Japão, nos E.U.A ou no Brasil. Essa comoção mundial pode ser explicada por que Michael Jackson além de ter sido um artista revolucionário, foi, também, em virtude de suas escolhas objetais e modificações corporais, alguém que provocou um sentimento de estranheza. Ele inaugurou um senso estético que, para muitos, beirou o grotesco – “a estética do grotesco”.
Todavia, podemos pensar que ao interferir de modo violento no primário (corpo), ele realizou um desejo inerente ao ser humano, de alguma forma, realizar – a modificação deste primário no Real, já que além de fazer inúmeras cirurgias plásticas, Michael também conseguiu concretizar o sonho do eterno, morar em um mundo encantado “Neverland” a terra do nunca de Peter Pan, o garoto que não queria crescer. Mas podemos nos questionar, terra do nunca, o que? Do nunca morrer? Do nunca tornar-se adulto? Do eternizar? Poderia ser, terra do nunca ser, do que não tem lugar, do fora da Lei. 
Atualmente, a quantidade de pessoas que colocam próteses de silicone, fazem cirurgia plástica, lipoaspiração, operação de redução de estômago e etc.,  aumenta cada vez mais e só comprova esta intencionalidade (corpo simétrico). Michael quis ser aquilo que projetou e, no fundo, podemos nos perguntar será que obteve ou não o êxito?  E as pessoas ditas “normais” estão obtendo êxito em suas transformações? Nos dias atuais, isso é chamado de Capitalismo selvagem.  Atualmente vivemos num mundo da primazia da imagem e do objeto, em rápidas e constantes mudanças que, muitas vezes, falham em oferecer sustentação simbólica, referenciais que ajudam a encontrar sentido.
Devemos aproveitar estas ocasiões em que o real se apresenta para que possamos ter mais cuidado com outro. Nós, comumente, nos defendemos com todas as forças do que a sociedade julga como “estranho”, mas se entendermos que ele faz parte de nossa constituição, a vida pode tornar-se menos insuportável e a dor de existir pode aos poucos dissolver-se, através da palavra.  A Psicanálise apresenta uma saída para o sujeito, isto é uma saída aos ideais transmitidos ou absorvidos pelos adultos, pois propõe uma escuta aos impasses, em que através da palavra, o sujeito busque seu desejo, apostando na ética,  na verdade e no inconsciente que nos sujeita.

[1] Daniele Baggio da Silva, Psicóloga/Psicopedagoga, Analista Praticante, membro da IF, da AFCL, do FCL-MS. E-mail: danielebaggio@yahoo.com.br

A Psicanálise interpreta Michael Jackson ?


 

A Psicanálise interpreta Michael Jackson ?

Daniele Baggio da Silva[1]


Os artistas sabem daquilo que o psicanalista ensina[2]. A psicanálise nos faz entender que pessoas como Michael Jackson que simbolizam a arte, são elas que nos interpretam que nos comovem. A psicanálise não interpreta; são os artistas que nos interpretam - que nos fazem pensar diferente, ver o mundo diferente. Lacan 2003, ensina que há um limite em que o olhar se converte em beleza, é o limiar entre duas mortes, o lugar do infortúnio[3], em uma homenagem que faz ao livro da escritora francesa – Marguerite Duras (O arrebatamento de Lol. V. Stein).  O espaço da tragédia existe para todo sujeito: ao nascer a única certeza é a morte. Esse espaço é o que o sujeito tenta velar com a beleza. O narcisismo é uma tentativa de velar com a beleza a morte anunciada.
Em entrevista ao site O Globo, Augusto Carazza relata que Michael Jackson era um homem que, sem sombra de dúvida, imprimiu seu desejo no mundo, ou melhor, modificou o mundo conforme seus desejos. Essa fenomenal arte de produzir músicas, clips, cantar e dançar, a um ponto de fazê-lo ser chamado de o Rei do Pop, “King Of  Pop”  nos faz pensar que o que faz uma obra de arte, uma criação, ser imortal,  é exatamente o fato dela escapar as tentativas cognocíveis[4] de apreendê-la. Todos nós temos algo que nos interroga, sabendo que sempre existe um descompasso entre o que se sente e o que se diz. Vivemos desse descompasso. Os artistas vivem isso mais claro e têm a tarefa, a responsabilidade de sustentar essa.
Um exemplo disso é se observarmos as diferentes formas como os fãs de Michael Jackson o vêem, seja nas Filipinas, no Japão, nos E.U.A ou no Brasil. Essa comoção mundial pode ser explicada por que Michael Jackson além de ter sido um artista revolucionário, foi, também, em virtude de suas escolhas objetais e modificações corporais, alguém que provocou um sentimento de estranheza. Ele inaugurou um senso estético que, para muitos, beirou o grotesco – “a estética do grotesco”. Freud em seu texto de 1919 “O Estranho” nos ensina que: 

 Nada em absoluto encontra-se a respeito deste assunto em extensos tratados de estética, que em geral preferem preocupar-se com o que é belo, atraente e sublime - isto é, com sentimentos de natureza positiva - e com as circunstâncias e os objetivos que os trazem à tona, mais do que com os sentimentos opostos, de repulsa e aflição. (FREUD, 1919, p.300 )

 Todavia, à luz de nova interpretação, podemos pensar que ao interferir de modo violento no primário (corpo), ele realizou um desejo inerente ao ser humano, de alguma forma, realizar – a modificação deste primário no Real[5], já que além de conseguir fazer inúmeras cirurgias plásticas, Michael também conseguiu concretizar o sonho do eterno, morar em um mundo encantado “Neverland” a terra do nunca de Peter Pan, o garoto que não queria crescer. Mas podemos nos questionar, terra do nunca, o que? Do nunca morrer? Do nunca tornar-se adulto? Do eternizar? Poderia ser, terra do nunca ser, do que não tem lugar, do fora da Lei.  
  Atualmente, a quantidade de pessoas que faz musculação, prótese de silicone, cirurgia plástica, lipoaspiração, operação de redução de estômago e, etc aumenta cada vez mais e só comprova esta intencionalidade (corpo simétrico). Michael quis ser aquilo que projetou e, no fundo, podemos nos perguntar será que obteve ou não o êxito?  E as pessoas ditas “normais” estão obtendo êxito em suas transformações? Nos dias atuais, isso é chamado de  Capitalismo selvagem.  
Atualmente vivemos num mundo da primazia da imagem e do objeto, em rápidas e constantes mudanças que, muitas vezes, falham em oferecer sustentação simbólica, referenciais que ajudam a encontrar sentido. O que se pode dizer também é que atualmente se vive em um mundo no limite da ordem, da lei, da simbolização e algumas das conseqüências que isso provoca é, como já dizia Lacan, o que não é encontrado no simbólico, se encontra/apresenta-se no real.  Parte-se muitas vezes para a violência, para a Lei que vem de fora, dos policiais, órgãos federais e por que não dos cirurgiões que cortam e costuram um corpo sem antes querer saber, a verdade que delata um sujeito. Ou ainda de uma auto-agressividade que de tanto doer,  nem mesmo anos de demerol - o analgésico fortíssimo pôde abarcar tamanha angústia de um sujeito que não foi ouvido.
Segundo Ribeiro, 2006 a Angústia,  em última instância é o medo que nós temos de nos vermos reduzidos a esta máquina mortífera: o corpo. É quando o corpo começa a aparecer como uma libra de carne como Shakespeare se refere ao mercador de Veneza. A angústia é a última tentativa de se proteger deste horror. Por isso Freud diz que a angustia é um sinal do eu para sair correndo deste pavor. É isso que Lacan chama de se sentir reduzido a objeto. É como diz Schreber “é um cadáver carregando outro cadáver”. Um psicótico tem noção desta dimensão de horror. Arthur Bispo[6] que também era um artista fenomenal diz: “todo louco tem um morto que o guia”. A angústia aparece aí no padecer humano, como ponto máximo de dificuldade e de movimento. É Freud quem diz isso. Lacan só confirma. Porque quando você tem medo, você tem medo de algo externo a você, então você foge e na angústia você foge para dentro de si mesmo e então a angústia aparece no corpo: o coração dispara, sua frio, fica vermelho. É como uma corrida, mas o sujeito sente isso parado. Angústia seria um ponto máximo de dificuldade e movimento.
Michael Joseph Jackson como foi registrado em sua certidão de nascimento, com o nome do pai, não teve a mesma sorte no registro psíquico, Michael não teve o Nome do pai inscrito, houve uma recusa, uma foraclusão onde a Lei paterna não se inscreveu, perdeu a validade, chegou tarde demais. Na esquizofrenia os sintomas delirantes são basicamente corporais, e a ausência do NP impede o sujeito de construir uma imagem especular sólida. Conforme Ribeiro 2006, o esquizofrênico não subjetiva seu corpo, o corpo é vivido como um Grande Outro que o invade, o gozo está localizado no corpo que se torna o Grande Outro, ele não tem um corpo, o corpo é que o tem, e por tanto é tão comum a auto-mutilação. Certa vez em uma conversa com Michael, Joseph “seu pai” disse, “nesta vida, ou você é um vendedor ou um perdedor” de toda a família o único que revidava o pai era ele e depois de um dos seus espancamentos ele virou para o pai e atirou-lhe o sapato. Então Joseph disse, “Menino, você acaba de assinar sua sentença de morte”.  (TARABORRELLI, 2009).
A agressividade não se apresenta apenas nos atos violentos, mas permeia nossa vida. Freud já havia falado da educação para a realidade. Em preparar o jovem para lidar com sua própria agressividade, já que a mesma não é algo que difere da conduta humana em geral, mas faz parte dela. Socialmente perigosa porque causa danos aos valores fundamentais que permitem a existência de uma comunidade, rompe o pacto que os une e ataca seus membros, assim como nos diz Joaceri Merlim em seu artigo “Do muro ao Murro” [7] (Internet, 1999). O agressor não responde somente ao ambiente, mas também atua sobre ele produzindo novas reações. Agressividade e narcisismo são contemporâneos na formação do sujeito, pois se formam a partir da imagem do Outro. Quando o sujeito vê seu próprio corpo na imagem do outro, ele percebe seu próprio domínio realizado no outro.  O eu está ligado à imagem do corpo. A criança vê sua imagem total refletida no espelho e identifica-se com essa imagem, imagem ideal, a qual ela não nunca conseguirá unir-se. Essa visão totalizada de seu corpo não condiz com o estado de dependência e impotência motora em que se encontra. Merlim (1999) cita Lacan, que chama isso de identificação primordial com uma imagem ideal de si mesmo, trata-se de uma relação erótica onde o indivíduo humano se fixa a uma imagem que o aliena de si mesmo.
 A imagem de Michael virou do avesso e ele ficou visto como  personificação das deformações que a fama é capaz de imprimir, até mesmo fisicamente. Viciado em analgésicos[8] desde os anos 80 quando em uma gravação de um comercial aconteceu um acidente que queimou seu couro cabeludo, Michael os contraia por diversos motivos, seja pelas cirurgias que o cindiam, seja pela angústia dos julgamentos feitos a ele enquanto  “abusador” de crianças. Em uma de suas acusações Michael foi absolvido e depois disso ficou um longo período em reclusão. São muitas as especulações e hipóteses a este respeito, mas segundo as pessoas mais íntimas,  considera-se que Michael era uma pessoa doce, frágil, sem qualquer indício de abusos sexuais em crianças e adolescentes. Talvez o que ele quisesse, fosse simplesmente permanecer ao lado da juventude infantil, de algo que não mostrava horror de envelhecimento ou ainda permanecer criança, já que passou a infância trabalhando como adulto.
Uma outra razão para o apedrejamento de Michael é que talvez esse desejo tenha batido de frente com a “normalidade” da cultura, ou ainda porque, desta forma, os acusadores “matam” aquilo que está neles. Tentam “reprimir - projetar” o estranho que, segundo Freud, é familiar: “Pode ser verdade que o estranho seja algo secretamente familiar, que foi submetido à repressão (recalque) e depois voltou, e que tudo aquilo que é estranho satisfaz essa condição” – se atira pedra naquilo que é seu, naquilo que se recalcou. Nas palavras de Freud “o estranho é aquela categoria do assustador que remete ao que é conhecido, de velho, e há muito familiar” (Freud, 1919  p. 300).
Segundo a reportagem “O avesso do avesso” da Revista Veja de 1 Julho de 2009, os pais de Michael Jackson contam em uma entrevista a revista ‘Time’ que Michael desde os seis anos de idade ensaiava o dia inteiro e as vezes olhava para fora e via as crianças brincando e chorava. Por vezes de nervosismo e com medo do adestrador  Joseph Jackson, dito seu pai, vomitava  e anos antes da puberdade ele chorava todos os dias. Seu início de carreira musical foi em boates e palcos de prostíbulos e forçado por um irmão Michael perdeu sua virgindade e ganhou mais um trauma para carregar a sua vida afora. Aos 20 anos Michael decidiu iniciar sua metamorfose física que resultou em uma verdadeira tragédia, já que de tanto se submeter a cirurgias e a sua despigmentação, que até hoje, não se sabe se realmente foi por conta do vitiligo como ele dizia, ocasionou cicatrizes dolorosas e incuráveis.  Dormia em uma câmara hiperbárica em cuja a alta pressão atmosférica esperava encontrar longevidade. A idéia era chegar no mínimo aos 150 anos.  
Em seu famoso passo “moonwalk”, Michael realmente deu um passo para trás em sua carreira e em sua vida, já que em sua caminhada teve muitos altos e baixos começou vendendo 1 milhão de cópias em (1972) depois passou a 20 milhões em (1979) e estourou em (1982) com Thriller, cabe aqui também uma consideração a respeito do clip do horror em que Michael está ao mesmo tempo como sujeito normal e mostro, o que a psicanálise chama realidade do sujeito. Nas diversas traduções que Freud faz do Estranho em 1919, uma se destaca, em árabe e hebreu ‘estranho’ significa o mesmo que ‘demoníaco’, ‘horrível’, relata ainda que:

 Só raramente um psicanalista se sente impelido a pesquisar o tema da estética, mesmo quando por estética se entende não simplesmente a teoria da beleza, mas a teoria das qualidades do sentir. O analista opera em outras camadas da vida mental e pouco tem a ver com os impulsos emocionais dominados, os quais, inibidos em seus objetivos e dependentes de uma hoste de fatores simultâneos, fornecem habitualmente o material para o estudo da estética. Mas acontece ocasionalmente que ele tem de interessar-se por algum ramo particular daquele assunto; e esse ramo geralmente revela-se um campo bastante remoto, negligenciado na literatura especializada da estética (Freud, 1919, p.298).

Conforme Freud,  O tema do ‘estranho’ é um ramo desse tipo. Relaciona-se indubitavelmente com o que é assustador - com o que provoca medo e horror; certamente, também, a palavra nem sempre é usada num sentido claramente definível, de modo que tende a coincidir com aquilo que desperta o medo em geral. Ainda assim, podemos esperar que esteja presente um núcleo especial de sensibilidade que justificou o uso de um termo conceitual peculiar. Fica-se curioso para saber que núcleo comum é esse que nos permite distinguir como ‘estranhas’ determinadas coisas que estão dentro do campo do que é amedrontador.

 Depois deste disco representado pelo “monstro” e que rendeu 100 milhões de cópias e ainda a “febre” Jacksonmania, onde todos queriam dançar e vestir - se como ele,  seus discos foram perdendo a importância até que se chegasse a 10 milhões em 1995.   
Em seu passo pra trás, foi efetivamente passado para trás, deixando a milionária vida no mundo encantado para ser um devedor de aproximadamente 500 milhões de dólares na realidade nua e crua da vida cotidiana.
Devemos aproveitar estas ocasiões em que o real se apresenta para que possamos ter mais cuidado com outro. Nós, comumente, nos defendemos com todas as forças do “estranho”, mas se entendermos que ele faz parte de nossa constituição, a vida pode tornar-se menos insuportável e a dor de existir pode aos poucos dissolver-se, através da palavra.
Freud em “Análise Terminável e Interminável” (1937, p.225-270 passim) inscreve a Psicanálise entre as três profissões impossíveis, que seriam governar, educar e analisar, já que para essas ações só se pode contribuir parcialmente, pois a outra parcela estaria em nível inconsciente, a nível ao qual só se pode ter acesso na análise pessoal, e mesmo assim não de forma completa. Freud fala que não seria a análise terapêutica dos pacientes, mas a própria análise que se transformaria em tarefa terminável e interminável. Podemos dizer aqui que se o sujeito é dividido entre consciente e inconsciente e não sabe de todos os seus determinantes, as profissões impossíveis estariam relacionadas a uma divisão estrutural do sujeito não completo, mas faltoso e, portanto, sujeito, pois não abarcariam a completude e nem seria viável que fosse.   
Michael Jackson teve um final enigmático, assim como o mistério que foi sua vida, não pode ou não quis ser ouvido em suas verdades, mas terminou derrubando as últimas barreiras que restavam entre a música de brancos e negros, elevando a sua dança a categoria de arte e renascendo com sua morte em sucessos que estouraram mais uma vez pelo mundo. Entre o embaraço e a angústia nós temos a passagem ao ato. Mas será que neste caso podemos pensar em passagem ao ato?  A passagem ao ato é silenciosa, não tem endereçamento. A passagem ao ato é radical, é da ordem do Real, é questão de vida ou morte. Conforme  Ribeiro 2006, um tipo de passagem ao ato é o homicídio ou suicídio. O fato de tirar a vida é um fato não reproduzido, o sujeito está fora da cultura, ele não é mais sujeito, é um monstro. A respeito da morte não há simbolização.
Em seu texto “Mal-estar na Civilização”[9], Freud aponta que os sofrimentos gerados ao homem, através da sua busca pela felicidade, podem ser resultantes do seu próprio corpo, do mundo externo e em especial do seu relacionamento com os outros. O mal estar na civilização pode ser representado pelo mal estar nos laços sociais, neste ponto não há dúvidas sobre os maus estares que Michael Jackson vivia em seus complexos familiares, mas o fato é que o triste fim deste artista, trouxe uma instigante pergunta, será que se fosse ouvido mesmo a psicanálise não sendo totalitária, plena, por justamente tratar-se de sujeitos singulares, inconscientes. Michael não poderia ter um final melhor, menos doloroso?
 A Psicanálise apresenta uma saída para o sujeito, isto é uma saída aos ideais transmitidos ou absorvidos pelos adultos, pois propõe uma escuta aos impasses,  em que através da palavra, o sujeito emerja em busca de seu desejo, apostando na ética e na verdade e no inconsciente que nos sujeita.

 

 

 

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BYDLOWSKI, Lizia. O Avesso do Avesso. Revista Veja. Edição 2119, n.26, ano 42, Julho/2009, p. 106-110.

CARAZZA, A. Michael Jackson e o estranho que nos habita. Artigo Internet <http://www.cocadaboa.com/archives/003512.php. Acesso em 14/07/09.

FREUD,Sigmund.“Mal Estar na Civilização”(1930), v.21, Rio de Janeiro:Imago, 1969,p. 67-148.
____________. “Análise Terminável e Interminável” (1937), v.23, Rio de Janeiro: Imago, 1969,225-270.
____________. “O Estranho” (1919) Vol.17, Rio de Janeiro: Imago, 1969, 297-324.
LACAN, Jacques. Outros Escritos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p. 198-205.
JORGE,Marco Antonio Coutinho. Lacan: O Grande Freudiano. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005, 78p.
 MARTINS, Sergio. Uma Lenda envolta, em mistério, dentro de um enigma.. Revista Veja. Edição 2119, n.26, ano42, Julho/2009, p. 96-104.
MERLIM, J. Artigo publicado na Internet: “Do muro ao Murro” (1999). Disponível em <www.escutaanalítica.com.br/psicanalise.htm>. Acesso em 31/05/2006.
RIBEIRO, Maria Anita Carneiro. “Angústia e vida pulsional” . Seminário de Psicanálise do Ágora Instituto Lacaniano de Campo Grande/MS. Informação Verbal, em Junho de 2006.
ROUDINESCO. Elizabeth. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998, p. 645.
TARABORRELLI, J. Randy. Michael Jackson. A Magia e a Loucura. São Paulo: Editora Globo, 2009, 670p.


[1] Daniele Baggio da Silva, Psicóloga, AP, membro da IF, da AFCL, do FCL-MS, membro da Comissão Editorial do Boletim do FCL- MS APOENA e do Grupo de Estudos Psicanalíticos Esfinge. danielebaggio@yahoo.com.br
[2] Lacan faz esta referencia em seu texto “Homenagem a Maguerite Duras pelo arrebatamento de Lol. V. Sten” em Outros Escritos, 2003.
[3] Infortúnio: infelicidade/sorte desgraçada.
[4] Cognocíveis: o que se pode conhecer
[5] -Real, Simbólico e Imaginário. Tripartição conceitual construída por Lacan.
- Real: termo empregado como substantivo por Lacan em 1953 e extraído, simultaneamente, do vocabulário da filosofia e do conceito freudiano de realidade psíquica, para designar uma realidade fenomênica que é imanente a representação e impossível de simbolizar. 
-Imaginário: É o registro psíquico que corresponde ao narcisismo, a primeiridade, tal como Narciso-ama a si mesmo, ama a imagem de si mesmo que ele vê no outro. Essa imagem projetada no Outro é fonte de amor, de paixão, de desejo de reconhecimento, mas também de agressividade e da competição. A identificação corresponde a um estado monádico que almeja totalidade, completude e auto-suficiência.
-Simbólico: Lugar do código fundamental da linguagem, ele é a lei, o Grande Outro como um terceiro em relação a todo o diálogo, estrutura regulada que prescreve o sujeito.
A primeiridade, secundidade e terceiridade podem ser proeminentemente percebidas no imaginário, real e simbólico respectivamente.                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             
4 Arthur Bispo do Rosário é natural de Japaratuba-Sergipe, é descendente de escravos africanos, foi marinheiro na juventude, vindo a tornar-se empregado de uma tradicional família carioca.Na noite 22 de Dezembro de 1938, despertou com alucinações que o conduziram ao patrão, o advogado Humberto Magalhães Leoni, a quem disse que iria se apresentar à Igreja da Candelária. Depois de peregrinar pela rua Primeiro de Março e por várias igrejas do então Distrito Federal, terminou subindo ao Mosteiro de São Bento, onde anunciou a um grupo de monges que era um enviado de Deus, encarregado de julgar aos vivos e aos mortos. Dois dias depois foi detido e fichado pela polícia como negro, sem documentos e indigente, e conduzido ao Hospício Pedro II (o hospício da Praia Vermelha), primeira instituição oficial desse tipo no país, inaugurada em 1852, onde anos antes havia sido internado o escritor Lima Barreto (1881-1922).Um mês após a sua internação, foi transferido para a Colônia Juliano Moreira, localizada no subúrbio de Jacarepaguá, sob o diagnóstico de "esquizofrênico-paranóico". Aqui recebeu o número de paciente 01662, e permaneceu por mais de 50 anos.Em determinado momento, Bispo do Rosário passou a produzir objetos com diversos tipos de materiais oriundos do lixo e da sucata que, após a sua descoberta, seriam classificados como arte vanguardista e comparados à obra de Marcel Duchamp. Entre os temas, destacam-se navios (tema recorrente devido à sua relação com a Marinha na juventude), estandartes, faixas de mísses e objetos domésticos. A sua obra mais conhecida é o Manto da Apresentação, que Bispo deveria vestir no dia do Juízo Final. Com eles, Bispo pretendia marcar a passagem de Deus na Terra.Os objetos recolhidos dos restos da sociedade de consumo foram reutilizados como forma de registrar o cotidiano dos indivíduos, preparados com preocupações estéticas, onde se percebem características dos conceitos das vanguardas artísticas e das produções elaboradas a partir de 1960.Utilizava a palavra como elemento pulsante. Ao recorrer a essa linguagem manipula signos e brinca com a construção de discursos, fragmenta a comunicação em códigos privados.Inserido em um contexto excludente, Bispo driblava as instituições todo tempo. A instituição manicomial se recusando a receber tratamentos médicos e dela retirando subsídios para elaborar sua obra, e Museus, quando sendo marginalizado e excluído é consagrado como referência da Arte Contemporânea brasileira. Biografia disponível em wikipédiawww.wihttp://pt.wikipedia.org/wiki/Bispo_do_Ros%C3%A1rio, acesso em 08/09/09 as 16:30hs.

 


[7] MERLIM, J. Artigo publicado na Internet: “Do muro ao Murro” (1999). Disponível em <www.escutaanalítica.com.br/psicanalise.htm>. Acesso em 31/05/2006.
[8] Analgésico é um termo colectivo para designar qualquer membro do diversificado grupo de drogas usadas para aliviar a dor. As drogas analgésicas incluem os antiinflamatórios não-esteróides (AINE), tais como os salicilatos, drogas narcóticas como a morfina e drogas sintéticas com propriedades narcóticas, como o tramadol e o demerol. Os analgésicos são medicamentos que podem causar dependência física e psíquica e possivelmente levam à morte, se administrados em excesso. Não é recomendado o uso dessas drogas por conta própria. Outras classes de drogas, que normalmente não são consideradas analgésicos, são usadas para tratar sindromas de dor neuropáticos. Estas incluem antidepressivos tricíclicos e anticonvulsantes. Nomenclatura disponível wikipédia, http://pt.wikipedia.org/wiki/Analg%C3%A9sico, acesso em 08/09/09 as 17:40hs.

[9] Neste texto Freud analisa o confronto existente entre a busca da felicidade e a subjugação desta à viabilização das estruturas sociais.

“Macabéa: Estrela da Morte”


“Macabéa: Estrela da Morte”

                 ALMEIDA, Hutan do Céu de. [I]
MARIANO, Luciana Regina Prado Garcia. [II]
SILVA, Daniele Baggio. [III]






































“Macabéa: Estrela da Morte”


[...] A realidade é a matéria-prima, a linguagem é o modo como vou buscá-la – e como não acho. Mas é do buscar e não achar que nasce o que eu não conhecia e que instantaneamente reconheço. A linguagem é o meu esforço humano. Por destino tenho que ir buscar e por destino volto com as mãos vazias. Mas volto com o indizível. O indizível só me poderá ser dado através do fracasso de minha linguagem. Só quando falha a construção, é que obtenho o que ela não conseguiu.

A paixão segundo G.H. Clarice Lispector.


A literatura define o estranhamento do mundo como algo que possa ser tangível, ao criar (reinventar) ao intencionar, o autor produz no outro (o leitor) uma mesma percepção das diferenças que os marcam, e assim o texto literário tem a pretensão de preencher o vazio da existência.
Um conceito preciso de literatura seria difícil concebermos, uma vez que arte não se define, pois isso a limitaria a realidade palpável. Os textos literários sejam eles de quaisquer natureza nos apresentam múltiplas realidades e se fazem revividos aos olhos de cada leitor.
Segundo Passoni (2001 apud FUVEST, 2001) Clarice Lispector foi um símbolo para a literatura do século XX. Sua obra é considerada sui generis pela forma concisa, introspectiva e personalíssima com que conduz suas narrativas. Clarice vai além das indagações individualistas que marcaram sua época porque parte em busca de respostas, respostas essas que nem sempre são encontradas na realidade imediata, daí escapar para o ontológico por meio de uma engendrada investigação metafísica, geralmente subtraída de elementos sublimes.
Através dos seus personagens a autora propõe indagações sobre sua visão de mundo, sempre em busca do mistério, da essência, por meio de questionamentos sobre o sujeito e sobre a morte: “De súbito, num átimo, seus personagens deparam-se com uma relação fulminante capaz de arrancá-los da inércia, do contato frio com o miserável cotidiano. Uma relação que, se pode lançá-los as estrelas, também pode confiná-los a morte...” (Passoni, 2001 apud FUVEST, 2001).
Em sua última obra, publicada em 1977, pouco antes de sua morte, A hora da estrela a autora nos apresenta Macabéa, uma mulher miserável que mal tem consciência de existir. Depois de perder seu único elo com o mundo, uma velha tia, ela viaja para o Rio de Janeiro, onde aluga um quarto com quem divide com mais quatro moças. Emprega-se como datilógrafa e gasta suas horas ouvindo a Rádio Relógio. Apaixona-se por Olímpico de Jesus, um metalúrgico nordestino, que logo a trai com uma colega de trabalho. Desesperada, Macabéa consulta uma cartomante (indicada pela colega que lhe roubou o namorado), que prevê para a personagem um futuro luminoso.
Entre a realidade e o delírio, buscando o social enquanto sua alma a engolfava, Clarice escreveu um livro singular. A hora da estrela é um romance sobre o desamparo a que, apesar do consolo da linguagem, todos estamos entregues. (Castello, 1998 apud Lispector, 1998).
Para a literatura a intenção do autor é criar no leitor uma relação de reciprocidade entre os personagens e os possíveis conflitos interiores de cada um que o lê. A força da palavra imprime no ser humano valores não deles, mas sim ditos dele e sem perceber, segue-se por um caminho pré-definido. Pode-se dizer que isso se equipara ao que na Psicanálise é definido como: “[...] todo desejo é desejo do Outro”. (Quinet, 2000).
Em A hora da estrela, Clarice Lispector apresenta uma estória aparentemente simples, uma estória como tantas outras que já conhecemos, entretanto ao analisarmos a personagem principal dessa obra percebemos características importantes sobre o processo de formação de identidade da mesma. A palavra a guia durante toda a sua trajetória de vida e assim define sua sina:
[...] Macabéa ficou um pouco aturdida sem saber se atravessaria a rua, pois sua vida já estava mudada. E mudada por palavras – desde Moisés se sabe que a palavra é divina. Até para atravessar a rua ela já era outra pessoa. (Lispector, 1999).
A crueza da obra torna explícita a capacidade humana de construir e destruir seus valores, criar e moldar seus comuns como forma de perceber na diferença do Outro o que realmente seriam. Através da linguagem Clarice pariu Macabéa. Com alguns fragmentos deste texto podemos perceber a profundidade dessa personagem que trazia em si o cunho do não ser:
[...] E quando acordava? Quando acordava não sabia mais quem era. Só depois é que pensava com satisfação: sou datilógrafa e virgem, e gosto de coca-cola. Só então vestia-se de si mesma, passava o resto do dia representando com obediência o papel de ser. (Lispector, 1998).
Elia (2004) em O conceito de sujeito diz que para a Psicanálise a constituição do sujeito se dá a partir e através de uma ordem social, das instituições sociais, ou de seus substitutos jurídicos. Sem essa ordem seria impossível advir o sujeito, este não seria nem de ordem humana, nem mesmo vivo (biologicamente), pois sem a ordem familiar ou social o ser da espécie humana morreria. Freud denominou esse estado de desamparo fundamental do ser humano, porque exige que haja intervenção de um adulto próximo que possibilite a sobrevivência deste ser. Para Lacan esse adulto é um Outro, ou seja, aquele que representa para o sujeito a ordem simbólica.
Através da família a ordem pode ser instaurada e a criança será capaz de construir sua história. É necessário considerar que antes que o bebê nasça ele já é dito – ou não, – ou seja, “a linguagem pré-existe o sujeito” (Elia, 2004). Existe um conjunto de demandas e de desejos que são dirigidos àquele que vai nascer e, inclusive, determinam o fato de seu nascimento. Todavia, esses elementos prévios só têm sentido quando de fato o bebê está inserido neles.
Macabéa foi concebida para não “vingar”. Quando estava grávida sua mãe fez uma promessa para Nossa Senhora da Boa Morte “[...] se eu vingasse, até um ano de idade eu não era chamada porque não tinha nome, eu prefiria continuar a nunca ser chamada em vez de ter um nome que ninguém tem, mas parece que deu certo”. (Lispector, 1998). Seus pais morreram cedo e Macabéa foi criada por uma tia a quem servia apenas como “criada”. Logo esqueceu o nome de seus pais, pois estes não eram falados pela tia. A personagem não tinha história e não se permitia um futuro.
[...] Quero antes afiançar que esta moça não se conhece senão através de ir vivendo à toa. Se tivesse a tolice de se perguntar “quem sou eu?” cairia estatelada e em cheio no chão. É que “quem sou eu?” provoca necessidade. E como satisfazer a necessidade? Quem se indaga é incompleto. (Lispector, 1998).
Ao consultar a cartomante, Macabéa, foi presenteada com a possibilidade de um futuro, conheceria um estrangeiro “[...] alourado de olhos azuis ou verdes ou castanhos ou pretos (...) é ele quem vai casar-se com você! Ele tem muito dinheiro, todos os gringos são ricos.” (Lispector, 1998). Madame Carlota – a cartomante – nunca havia visto um futuro tão bom: “[...] por exemplo, acabei de ter a franqueza de dizer para aquela moça que saiu daqui que ela ia ser atropelada, ela até chorou muito, viu os olhos avermelhados dela?”. (Lispector, 1998).
Macabéa na impossibilidade de ter um futuro se identifica com a cliente de Madame Carlota que não teria futuro algum, ao sair da cartomante e atravessar a Rua é atropelada por um Mercedes. Seu desejo era parecer-se com Marylin Monroe. Parecer com Marylin é concretizar a sensualidade em vida, porém apenas na morte isso acontece: se iria morrer, passava de virgem a mulher. A morte é a entrega total que o narrador, amante da morte, chama de agonia do prazer, ápice da dor e do prazer, tendo na pré-morte sua intensa ânsia sensual: “Então – ali deitada – teve uma úmida felicidade suprema, pois ela nascera para o abraço da morte.” (Lispector, 1998).
No Seminário 10: a angústia (Lacan, 2005) diz que só o ato tira da angústia sua certeza. O ato aí é o verdadeiro ato, aquele que tem o poder de transformar, que tem um antes e um depois, aquele que marca o “nada será como antes”. É deste ato que o neurótico foge. O neurótico hesita e se trava diante desse ato. Ele foge desse ato de duas maneiras complementares. A primeira maneira é a protelação, a hesitação. O ato é deixado para um amanhã que nunca vem. Evidentemente, nestes casos a angústia é avassaladora, porque quanto mais se protela mais se angustia. A segunda maneira é a precipitação. O sujeito faz qualquer coisa de qualquer jeito, e o que seria um ato vira uma “asneira”: “Há um aborto do ato. Lacan vai chegar ao cúmulo de dizer que todo ato é falho, e que o único ato bem sucedido é o ato do suicídio.” (Ribeiro, 2006).
Clarice ao intencionar uma personagem marginalizada pelo sistema capitalista, trata de uma questão: a aceitação como sujeito em uma sociedade de tipos pré-definidos – pré-ditos. Assim, aproxima Macabéa do leitor e mostra que há uma relação entre a impossibilidade de “Ser” sem ser dito anteriormente em qualquer contexto. Sem encantos, Macabéa é só Macabéa e talvez nem isso, se veste para a função de ser o que os outros desejam e, se despe da vida ao perceber que tem um futuro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ELIA, L. O conceito de sujeito. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
FUVEST 2002: literatura, estudo das obras, resumo, análise de textos, exercícios. Org.: Célia A. N. Passoni.
LACAN, J. O seminário livro 10: A angústia. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.
LISPECTOR, C. A Hora da Estrela. São Paulo: Ed. Rocco, 1999.
QUINET, A. A Descoberta do inconsciente: do desejo ao sintoma. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
RIBEIRO, M.A.C. Seminário de Psicanálise: “Angústia e vida pulsional”. Campo Grande, 2006.


[I] Graduado como Tradutor e Interprete pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS -Dourados – MS. Mestre em Estudos da Tradução pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC - Florianópolis – SC. E-mail: hutandion@gmail.com
[II] Graduada em Administração de Empresas e em Psicologia, pós - graduada em Metodologia do Ensino Superior. E-mail: luciana@skoldourados.com.br

[III] Psicóloga, Psicopedagoga, Membro do MS Campo Lacaniano, da IF (Internacional dos Fóruns), da AFCL e do Grupo de Estudos Psicanalíticos- Esfinge. E-mail: danielebaggio@yahoo.com.br