sexta-feira, 8 de março de 2019

Do desejo pela psicanálise ao desejo do analista

Do desejo pela psicanálise ao desejo do analista

Prelúdio 1


Em Abril de 2019 teremos no Brasil, mas especificamente em Maceio-AL a presença do ilustre psicanalista francês Luís Izcovich AME - IF/EPFCL. Que marcará um traço importante em nosso percurso pela psicanálise através do Ato Analítico. O tema em questão será “distinguir” o desejo pela Psicanálise ao desejo do analista, ponto pelo qual todo analista “deve” atravessar. Conforme nosso convidado em uma conferência
(2013) o desejo em Psicanálise tem como origem a falta ser, isto é, surge do desejo materno, desejo de “falo”, mas não se satura com a identificação do filho(a) ao falo. Já que, a humanização do desejo é enodar o desejo e a lei. Isso demonstra perfeitamente a finalidade de uma análise. A ideia de Lacan, assim como a de Freud, é que, durante um tempo, a análise possa alcançar o maior ponto de simbolização possível, de elaborar, simbolizar, isto é, quanto mais se simboliza, mais se perde o gozo. Se o (NP) humaniza o desejo, é o que permite responder a pergunta sobre o desejo do outro e, nesse sentido, o NP dá um nó ao que falta ao simbólico. A metáfora paterna tem uma função de nominação que enoda o imaginário e o simbólico. E Lacan acreditou por um tempo que isso era suficiente. E o que ele chegou a trabalhar no seminário da angústia é que “só o amor permite condescender o gozo ao desejo”. Isso implica que o amor é o que permite passar de um gozo que não tem em conta o outro a um desejo que por definição tem em conta o outro. É uma operação do amor, é uma consequência da operação paterna.
Todavia mais adiante escreve sobre o “desejo do analista” que se enlaça com a pulsão, na medida em Lacan afirma que vai articular a pregnância da função do desejo do analista a partir da pulsão, de sua desmontagem e de seu circuito; o que significa que esta pregnância provém da pulsão. “Trata-se de conceber”, diz Lacan, “onde está o ponto de disjunção e conjunção, de união e de fronteira, que só pode ser ocupado pelo desejo do analista”. Em outras palavras, trata-se de uma solidariedade estrutural entre a pulsão e o desejo do analista.
Lacan, citado por Izcovichi (2013), ainda acrescenta uma dimensão suplementaria, com a ideia de que existe um gozo que não se pode simbolizar, e aí surge uma pergunta à psicanálise: “O que não se pode simbolizar, pode se esperar que se reduza com o tempo?”. Aqui entra o valor que Lacan coloca sobre o desejo do analista. Lacan, quando introduz a definição de desejo do analista, diz que o desejo do analista não é um desejo puro, é um desejo de se obter a diferença absoluta, e não se trata de qualquer frase, se trata da frase que se conclui o seminário, e por isso há um valor importante. Lacan percebe esta frase de outra afirmação, que o desejo (em geral) de um sujeito é, em essência, instável. Não funciona com um fluxo contínuo, há uma descontinuidade, e isso faz com que o neurótico desconfie desse desejo, do desejo de estar seguro de algo que o orienta, mas que amanhã pode o abandonar.
Podemos dizer, então, que o desejo busca a satisfação fálica e o sujeito percebe que o desejo não o protege de suas errâncias. O termo errâncias, aqui, diz respeito às decisões falhas, e isso se constata em momentos cruciais da vida, em que o sujeito pode renunciar ao seu desejo, ou pode interpretá-lo mal. Tomemos o exemplo da angústia, afeto do real, como dizia Lacan, que comporta uma certeza; por suposto que é uma certeza, o problema é como um sujeito interpreta sua angústia, como interpreta sua certeza. A angústia é esse indicador de que estou na direção, ou devo mudar de direção? Esta é uma pergunta fundamental, porque a análise é um dispositivo que provoca angústia. Mas por que uma análise angustia? Em primeiro lugar, por que se encontra com o desejo do analista, e esse desejo vai ao oposto do recalque (as cenas que o sujeito tende a excluir de seu pensamento), seguindo a teoria freudiana, segundo a qual a angústia gera o recalque, que funciona como uma proteção, um escudo. Se o desejo do analista é o que tenta extrair este escudo, o que vai produzir é a angústia. Mas há outra razão pela qual o desejo do analista angustia, o principio da angústia é a impossibilidade de nomear que desejo do outro. O analista encarna/presentifica na análise esta dimensão. A teoria de Lacan sobre a angustia é que a angústia se manifesta quando o objeto a faz sua aparição. Se o analista ocupa lugar semblante do objeto a, isto quer dizer que o analista sabe que o único modo de ascender o verdadeiro desejo ao sujeito é de atravessar a angústia; há sujeitos que se angustiam mais, outros menos. O analista deve saber qual é a angústia que o sujeito deve tolerar e, nesse sentido, Lacan fala de uma questão ligada ao manejo do tempo. Manejar a angústia do analisante não é manejar o analisante. É manejar a relação que o analisante tem com o tempo. E aqui há uma observação geral que se pode fazer. O neurótico está sempre fora do tempo, o psicótico também, mas de outro modo. A análise, introduzindo a dimensão da angústia como efeito de desejo do analista, introduz o sujeito ao tempo, já que Freud trabalha o desejo como indestrutível, isso é, a marca do desejo do outro. O desejo instável pode ter flutuações, mas não desaparece jamais. O desejo do analista como um desejo puro é um desejo que não aceita nenhum limite, nenhum compromisso, o único fim é o encontro com o absoluto, não por nada. O desejo do analista não é desejo do impossível, trata-se de um ponto importante, já que implica que o analista se agarra a uma ideia em cada momento da cura sobre o que é possível e o que é impossível. Há que se ter em conta que o impossível é o nome do real, digo isto para deixar claro um ponto: o real, não é efeito do fim da análise, há um real no início da cura, o Real esta presente do lado da cura; portanto, o desejo do impossível é reconhecer o impossível, integrá-lo como limite ao desejo.
Izcovichi (2013) contribui ainda com a dimensão de que o desejo do analista é um desejo de obter a diferença absoluta, que é o nome do gozo do sujeito, o que tem como substância de um sujeito uma vez caída as identificações. Observe que numa análise, à medida que as identificações do sujeito caem, o que são os outros não cessa de agradar-se, já que as identificações vão ao lado se fazer um, um igual aos outros.
A desidentificação vai ao lado de fazer aparecer o traço distintivo, é por isso que a desidentificação produz necessariamente uma separação com o outro, produz uma diferença, até fazer emergir o que Lacan chamou mais tarde de poema do sujeito. Lacan disse, em 1976, conforme Izcovich, “eu não sou poeta, sou poema”. O poema dá a ideia de que não se trata em um sujeito só da questão do desejo do outro, senão da marca escrita no corpo ao qual uma análise vai aportar a assinatura que diga “este sou eu”. O desejo do analista, portanto, como desejo de obter a diferença absoluta, demonstra que a análise é uma experiência de leitura, mas não unicamente; a prática de leitura é a base da interpretação analítica. Para que um sujeito possa ascender ao seu nome próprio, inscrito no corpo, faz-se falta uma inscrição, esse poema que se inscreveu em sujeito faz falta um sujeito em que se agregue sua assinatura. Pode-se, pois, assinar o poema, uma vez que se ascendeu uma diferença absoluta. O desejo do analista não se sustenta pelo fantasma e não aponta para um objeto particular. É a interpretação do analista que permite sujeitar o inarticulável do desejo. Há aqui outra diferença entre qualquer desejo e o desejo do analista. O desejo se interpreta, o único desejo que não se pode interpretar é o desejo do analista, nem sequer para aqueles que estão em uma Escola de Psicanálise, ou Cartel de passe, por que o desejo do analista só se pode perceber pelos efeitos analíticos em seus analisantes.
Segundo, Quinet (2008, p. 113), Lacan, no seminário 11, nos indica que “se a transferência é o que da pulsão desvia a demanda, o desejo do analista é aquilo que traz ali de volta”. O desejo do analista não é um desejo triste, conformado com a falta, apesar de assumir a falta como consentimento à castração. Trata-se, antes, de um desejo que empolga, anima, vertendo afeto para o âmbito do saber que ele enquadra, conferindo-lhe a conotação de um saber alegre, gaio saber. Trata-se de um saber que é desejante.
Desta forma, entusiasmados com este Encontro, convidamos a tod(x)s os sujeitos desejantes a estarem conosco nessa transmissão primorosa tão a formação contínua do analista.


[1] NP (nome do pai ou metáfora paterna) é o termo lacaniano sob uma perspectiva que o pai exerce uma função simbólica que permite a criança adquirir uma identidade.  Segundo Roudinesco (1998, p. 541), nessa perspectiva e no âmbito da teoria lacaniana do significante, a transição edipiana da natureza para a cultura efetua-se da seguinte maneira: sendo a encarnação do significante, por chamar o filho por seu nome, o pai intervém junto a este como privador da mãe, dando origem ao ideal do eu* na criança. No caso da psicose, essa estruturação não se dá. Sendo então foracluído o significante do Nome-do-Pai, ele retorna no real* sob a forma de um delírio contra Deus, encarnação de todas as imagens malditas da paternidade.