terça-feira, 22 de agosto de 2017

De-pressão em Psicanálise

DE/PRESSÃO EM PSICANÁLISE

Daniele Baggio Silva de Menezes[1]

            O presente trabalho versa sobre o que se seria a "depressão" pela ótica da psicanálise de Freud a Lacan e como seria este possível tratamento, fazendo uma crítica em relação a precipitação dos diagnósticos acerca deste "mal-estar" que nos irrompe.
            A priori é importante pensar que existe uma diferença em relação a questão do diagnóstico entre psicanálise e DSM. A depressão para a psicanálise aponta primordialmente para uma estrutura (neurose ou psicose).
            Em Freud podemos re-ler "luto e melancolia" (1915-1917) onde descreve a diferença entre um e outro. Todavia, tanto o luto quanto a melancolia na maioria das vezes está relacionado a uma reação diante de uma perda significativa, que pode ser de um ideal ou de até mesmo de uma abstração.
            Conforme Siqueira 2007, ao citar Freud neste texto, retrata que se o luto implica um trabalho de elaboração (Traüerarbeit) frente a uma perda significativa, não sendo, em princípio, patológico, na melancolia não há a possibilidade de simbolizar a perda, tratando-se de uma perda de natureza mais ideal.
            A melancolia estaria dentro do que chamamos de uma estrutura psicótica, se caracteriza por um desânimo profundamente penoso, cessação de interesse pelo mundo externo, perda da capacidade de amar, inibição de toda a produtividade, e uma diminuição dos sentimentos de autoestima – “sentimento de estima de si” – a ponto de encontrar expressão em se recriminar e em se degradar, culminando ainda numa expectativa delirante de punição. No luto, “a perturbação da estima de si” está ausente, assim como a expectativa delirante de punição.
            Da mesma forma, a perda que se apresenta no luto diz respeito a uma perda objetal, já na melancolia, a perda objetal transforma-se em uma perda relativa ao eu. Freud (1917[1915], p. 251) afirma que: “no luto, é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio eu”.
            Podemos ainda pensar no texto de Freud “inibição, sintoma e angústia” (1926-29/2014) em que ao descrever os fenômenos patológicos, Freud difere sintomas e inibições. E conforme esta compreensão a depressão estaria situada como uma inibição, uma vez que caracteriza-se por: “ uma relação especial com a função e não necessariamente algo patológico, pode –se também chamar de inibição a restrição normal de uma função. Já o sintoma indica a existência de um processo patológico, porém,  uma inibição pode em alguns casos, ser um sintoma”. (FREUD, 1926/29- 2014,  p. 14).  
            Desta forma, Freud p. 16 (1926/29-2014) conceitua a inibição como uma limitação funcional do Eu, limitação que pode ter causas muitos diversas, ou seja, são limitações da função do Eu por precaução ou devido ao empobrecimento de energia, que tem início a dificuldades não solucionadas.
            Lacan ao falar acerca da depressão, no seminário 7 “a ética da psicanálise”, 1988, p. 385, considera que o sujeito trai sua via ou em outras palavras usa o aforismo: covardia moral ao referir-se a única culpa legítima do sujeito. Explico: em algum momento de sua vida, o sujeito abriu mão de algo de seu desejo. Cedeu do desejo. E isto tem conseqüências complicadas.
            Por vezes, tais consequências levam “tempo” para serem manifestadas. Por isso, não é incomum atribuir a depressão á tristeza, ao luto e até a melancolia. Porém tais diferenças são primordiais para tal compreensão e diagnóstico.
            É viável pensar também que para a psicanálise o "adoecimento" tem caráter de causalidade, ou seja, há um evento que o sujeito descreve-nos enquanto "trauma" que localiza-se o início de seu sofrimento, ainda que sejam enigmáticos. Apesar de sabermos que a historicidade do desencadeamento não fornece diretamente seu sentido, ele existe. Ou ainda como cita Dunker, 2002, p. 135 "os sintomas desencadeados após um período de incubação ou latência que estiveram intimamente relacionados ao trauma e acrescentamos, a estrutura, o que então corroborava a idéia de aqueles sintomas tardios  seriam como que versões de uma mesma geratriz".
            Outra ponto importante de se destacar é que para a psicanálise o diagnóstico é condição de entrada as entrevistas preliminares, este diagnóstico inclui a compreensão acerca das estruturas clínicas, pela via da transferência.
            Desde, 1896 em seu "Rascunho K" Freud aponta para a importância clínica de se diferenciar  Neurose de Psicose. A questão do diagnóstico diferencial é postulada a partir de parâmetros éticos, ou seja, é preciso diagnosticar para tratar. Cito-o: “Estamos, portanto, no terreno da ética: não se trata de diagnosticar para classificar”. (FREUD, 1913, p.126).
             
            Há ainda  uma outra questão necessária, a da atualidade das depressões. Para este ponto articulo com Maria Rita Kehl em seu livro "o tempo e cão", onde retrata um tipo de homem contemporâneo que vive ao mesmo tempo, obscuro e brilhante, ativo e miserável, que lida com o tempo com o esperado e o inesperado e que por sua condição incerta incorpora todas as contradições: potência e impotência, resignação e revolta, ordem e desordem. Um homem de voz velada, e isto nos preocupa! Agindo como se estivesse fora da vida e do mundo por que seu mundo está além do possível.
            Refere-se ainda a questão do tempo em que vivemos, o tempo da impaciência e não reflexão, é tempo da rapidez e da "realização", das máquinas que nos governam. Mas o "depressivo" se recusa a fazer parte deste tempo. Se recusa e se rebeldia a "falta do que não existe". Nos convoca a pensar acerca da depressão na contemporaneidade como sinalizador do mal-estar na civilização que desde a Idade Média foi ocupado pela melancolia ou seja, a uma confluência dos afetos em que a "a lembrança de uma coisa aliada ao desejo desta mesma coisa".  Este sujeito "deprimido" encontra uma forma de dizer não a esta lógica, porém de maneira muito punitiva a si. Pois a cada vez que o sujeito cede de seu desejo, a culpa cobra seu preço.
            Podemos então refletir como seria um tratamento possível para a depressão. Conforme         Sonia Alberti (2000, p. 46) o discurso do analista tem o sentido de subverter a "falta" e permitir que advenha o desejo. Só há desejo se há falta. Porém para que isso aconteça o sujeito precisa se opor ao acovardamento e estar disposto a pagar um preço por ser desejante. Porém pagar um preço de sustentar o seu desejo, dá ao sujeito efeitos terapêuticos, emponderamento e emancipação.
            A psicanálise propõe uma escuta para estes sujeitos, acenando com o caminho do desejo e utilizando do aforismo lacaniano "o melhor remédio para a angústia é o desejo" (1926-63, p. 115). Uma vez que a depressão é oposto ao desejo e faz o sujeito ter uma letargia efeito de evitar a falta-desejo.






REFERËNCIAS:
ALBERTI, S. Depressão: o que o afeto tem a ver com isso? In: Atas das Jornadas Clínicas para o Corte Freudiano, dezembro de 1989, p. 102-9.
DUNKER, C. O Cálculo neurótico do gozo. São Paulo: Escuta, 2002,p. 135.
FEDIDA, Pierre. O vazio da metáfora e o tempo do intervalo em depressão.trad: Martha Gambini. São Paulo; Escuta, 1999. p. 71.
FREUD, Sigmund. Inibição, sintoma e angústia, o futuro de uma ilusão e outros textos. (1926/29) trad: Paulo Cesar de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. p. 14-123.
FREUD, Sigmund. Publicações Pré-Psicanalíticas e Esboços Inéditos. (1886-99) - v. 1. 3ª ed. Rio de Janeiro: Imago, 1989, p. 387-547.
FREUD, Sigmund. O caso de Schreber, artigos sobre a técnica e outros trabalhos. (1911/1913). 1ª ed. Rio de Janeiro: Imago, 1969.
FREUD, Sigmund. “Luto e melancolia” (1917 [1915]). ESB, v. XIV. Rio de Janeiro: Imago, 1969.
KEHL, Maria Rita. O tempo e o cão: aatualidade das depressões. São Paulo: Boitempo, 2009. p. 194-298.
LACAN, Jacques. O Seminário, livro: 7.trad: Antonio Quinet. Rio de  Janeiro; Jorge Zahar, 1988, p. 385.
_____ O Seminário, livro 10 - A angústia (1962-63), texto estabelecido por Jacques Alain-Miller; versão final Angélica Harari; tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.
SIQUEIRA, Érica de Sá Earp. A depressão e o desejo na psicanálise.Artigo internetDisponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812007000100007Acesso em 16/08/2017.




[1]Mestre em Psicanálise, Psicóloga, Psicanalista Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano, Professora  Acadêmica -CESMAC (danielebaggio@yahoo.com.br)