O REAL E O CORPO
O Real e o Corpo: A Clínica
Psicanalítica diante dos enigmas do corpo é o título deste trabalho. Inspirado, sobretudo no livro de Luis
Izcovich: El cuerpo e sus enigmas,
2010. Sob a perspectiva da metapsicologia do corpo, tendo como objetivo
investigar a incidência do inconsciente “Real”[2] sobre o corpo, tomando como exemplo alguns fenômenos psicossomáticos. A
psicanálise, portanto se ocupa não de outra coisa senão dos enigmas do corpo. O
objetivo desde estudo é compreender a incidência da linguagem sobre o corpo,
como um enigma, como um texto para ler, compreender e interpretar como um
conjunto de interrogantes.
1. INTRODUÇÃO
O artigo em questão surge do propósito de
dar continuidade - enquanto desdobramento e avanço - da pesquisa De Novo: o
conceito de Com/ pulsão a repetição e suas implicações na clínica psicanalítica
(Baggio, 2014). As conclusões de tal
estudo - construído como Dissertação de Mestrado do Programa de Pós-Graduação
em Psicanálise –U.K (Universidade Kennedy) apresentam-se para a ideia aqui
proposta como um conjunto de premissas que prepararam e ensejam a discussão em
torno da possibilidade de uma ação clínica, dentro de uma perspectiva
psicanalítica de Freud a Lacan. Em suma, a perspectiva de um trabalho frente a
esse contexto complexo do corpo como um enigma configura-se como nosso objeto
de investigação.
Na ocasião, investigamos o conceito de
pulsão na Obra de Freud e Lacan, com o intuito de esclarecer questionamentos
surgidos a partir da clínica sobre a compulsão a repetição, visando investigar
sobre a intervenção do analista diante do circuito pulsional, se o sujeito com
o processo analítico poderia obter outra satisfação que não fosse a repetição
ligada ou fixada ao trauma.
O desenvolvimento da pesquisa levou-nos a
bordejar algumas questões instigantes a serem pesquisadas acerca da
analisibilidade do sujeito tomado pela singular condição de corpo imposta pelo
inconsciente. Em termos gerais, objetivamos compreender a expressão do inconsciente
estruturado como linguagem e sua relação como inscrição no corpo. Uma vez que o
ser sexuado é o gozo de um corpo e já que Lacan articulou que o objeto a como
complemento do sujeito e esse complemento se localiza no Outro, no corpo do
outro, o sujeito não tem outro remédio que passar pelo circuito pulsional.
Isto designa o sujeito a
partir da cadeia significante e de sua estrutura, o modo em que a cadeia
inconsciente exerce seus efeitos. O que significa dizer que o modo em que o
ser-humano quando vem ao mundo, é uma pura substância biológica será modificada
pelo outro operando a passagem do organismo ao corpo pela linguagem.
Conforme o artigo: Lalangue,
via régia para captura do Real de Genesini[3]
Lacan ora apresenta a palavra alingua ora
lalingua, para associar a lala~cão do
bebë e que relaciona isto a mediação materna cito:
“Desde a origem há uma
relação com lalangue, que merece ser chamada, com toda razão, de matema, porque
é pela mãe que a criança se assim posso dizer a recebe. Ela não aprende lalangue.”[4]
Dizer isto significa que lalangue
não pode ser equiparada a algum tipo de significação, uma vez que lalangue só
se sustenta no mal entendido, em outras palavras: mesmo que a mãe tente
traduzir a lalação do bebë de acordo com sua interpretação sempre haverá um lapso,
uma falta, entre o que se quer dizer e o que se ouve por exemplo.
Uma vez que a clínica
psicanalítica nos convoca a tratar destes enigmas, como seria a intervenção de
um psicanalista diante destas questões acerca do REAL.
2.
JUSTIFICATIVA
Assim como Freud, Lacan também se ocupa do corpo, por que o corpo em
psicanálise é uma pergunta dirigida ao Outro.
Se a histeria exemplifica o sintoma no corpo, Lacan a chama com um
neologismo “Symptraumatise” em
francês, este neologismo põe em manifesto a conexão estreita entre sintoma e
trauma, a partir do qual se pode dizer que a constituição do sintoma
fundamental do sujeito, ligado a neurose infantil, tem como ponto de inserção
um trauma. E para Freud o trauma é sempre sexual. Mas não se trata aqui do
sexual, corpo a corpo, mas que sintoma e trauma se enodam na medida em que o
inconsciente fabrica uma resposta as experiências enigmáticas de gozo no corpo.
Porém o ponto crucial é que a conjunção entre gozo do corpo enigma é
fundadora do inconsciente, o inconsciente se constitui quando o sujeito assume
o enigma do desejo do Outro, e isto está ligado a uma experiência infantil do
corpo.
Conforme Izcovich, 2010, p. 15. Se referindo a Lacan, há duas condições
para designar a causa traumática: o gozo inassimilável e a constituição de um
enigma, e são estas as duas condições que constituem o caráter solidário do
trauma e do fantasma. O enigma em relação com o gozo é a base do fantasma, já
que trauma e fantasma são equivalentes.
Os enigmas do corpo se situam entre dois polos, aqueles que estão
relacionados com o silêncio do corpo e aqueles que se encontram ligados a uma
exaltação do gozo pelo Outro. Todavia as manifestações do corpo adquire um
estatuto de enigma e quando se formula um enigma adquire um caráter de sintoma,
que pode ser transitório ou estável.
A psicanálise não se limita a decifrar o inconsciente introduzido ao
sujeito em outra dignidade em quanto a seu corpo, nem tampouco pretende tratar
as formas atuais de violência e o modo como os corpos são tratados com um
desfecho, a experiência analítica nos mostra que mudando a relação do sujeito,
concomitantemente se muda também a relação do sujeito com o gozo do Outro.
Porém a justificativa para este esta pesquisa é compreender e aprofundar a evidência em que o trauma se
constitui em sintoma pelo efeito do significante que determina a marca do gozo
sobre o corpo o que equivale dizer que o significante é meio de Gozo.
Mas não apenas na evidência do trauma que marca o corpo enquanto gozo,
todavia elaborar a questões que fazem borda ao inconsciente em si. Tomando como
base a citação de Freud enquanto que todo o reprimido é inconsciente porém nem
todo inconsciente é reprimido[5],
ou seja, haveria dito de outro modo um Inconsciente Real, ou ainda um terceiro
inconsciente no sentido de que nem tudo é possível de inscrição, de
representação, há sempre um osso, um rochedo, um umbigo intransponível e de
inacessível significação, pelas próprias falhas da linguagem. Haveria sempre algo que “não cessa de não se inscrever”[6].
3. REVISÃO
DA LITERATURA
O corpo e a pulsão
A pulsão não é instinto, instinto corresponde a um programa animal, que
marca o corpo geneticamente e determina uma conduta, o conceito de pulsão se
distingue fundamentalmente disto já que não é a marca da espécie mas a marca da
linguagem. Observando que em sua época se considerou a psicanálise como uma
prática escandalosa, não tanto pela descoberta do inconsciente mas pelo
postulado na sexualidade infantil. Referir-se a sexualidade infantil, implica
em introduzir o corpo, isto exige que delimitemos bem o que se entende por
pulsão. Lacan retoma o tema da pulsão a partir do seminário “Os quatro
conceitos fundamentais da psicanálise” em um momento crucial em que começa a
ocupar se do conceito de pulsão em psicanálise e que introduz uma perspectiva
se dando conta dos termos “montagem pulsional”.
A pulsão para Lacan, é um efeito da demanda do Outro, a experiência é
clara neste sentido, a passagem da infância, entre bebê e suas necessidades e a
demanda que é dirigida ao Outro, está modelada pelo modo em que o Outro o fala.
A demanda do Outro encarnada pela mãe, modela as demandas do bebê, porque parte
dirige a ela e logo em seguida aos outros. O plano de necessidade do ser -
humano é a necessidade que é da ordem do fisiológico, condição da vida de um
organismo. A demanda é a marca de um desejo. Há então entre necessidade e
demanda uma hiância: lugar que se infiltra o desejo. O desejo se constitui um
pouco antes da demanda. E isso implica duas dimensões: por um lado, que o desejo
da criança se constitui a partir do desejo materno que marca a necessidade da
criança que introduz significantes. Pelo outro, que a criança se apropria os
significantes do Outro, o que tem conseqüências sobre a necessidade que se
converte em demanda. A demanda é a marca de um desejo, marca que se inscreve no
corpo, a marca que esse Outro marco o corpo da criança com seus cuidados. Por
isso, não existe progressão natural, não se passa da pulsão oral, a uma pulsão
anal e logo a ordem fálica por simples maturação. Não se trata de uma
programação cronológica. esta inscrição no corpo aparece em definida em Freud
como zonas erógenas.
Este termo em Freud de zonas erógenas vão neste sentido. O corpo está libidinizado,
erotizado de um modo uniforme. Pelo contrário, certas zonas erógenas são
prevalentes, diferem de um sujeito a outro e para um mesmo sujeito ditas zonas
não são intercambiáveis, muito pelo contrário, há uma fixação em zonas erógenas
ao ponto de constituir uma satisfação do corpo e são bases determinantes da
fixação de um sintoma.
Isto é o que constitui o traço perverso de todo sujeito. Há uma dimensão
de perversão generalizada que está determinada por esta estrutura de inscrição
de significante no corpo. A exigência é satisfazer o que a zona erógena
reclama. A fixação da zona erógena comemora a inscrição do significante no
corpo que determina um modo específico de satisfação.
Este é o esquema que Freud traçou para pulsão e que tem conseqüências
decisivas para a orientação da psicanálise. E como se trata das pulsões e não
da pulsão definitiva, Lacan escreve a pulsão a partir da relação de um sujeito
marcado pelo significante em conexão com a demanda do Outro para alcançar a
satisfação. Mas precisamente, se existe uma zona do corpo prevalente ligada a
essa demanda do Outro, dita zona do corpo tem afinidade com uma borda, borda do
corpo.
O corpo: R,S,I
Conforme Izcovich, 2010, a primeira concepçõ de Lacan acerca do corpo
corresponde ao “Estádio do Espelho” uma vez que se ocupa de artiular sobre
prematuridade da concepção do Eu que vem através do Outro, através da imagem,
em outras palavras, diante do espelho o sujeito se depara com o Eu a medida que
reconhece o Outro, ou ainda, a identidade humana está dada ao menos no início
da vida pelos limites da imagem (identidade imagnária). Porém depois de 1953,
Lacan escreve sobre este corpo sutil, que não se trata de um corpo puramente
imaginário. Mas um corpo que passa do
imaginário ao simbólico para constituir um conceito de sujeito, ou seja, a
ideia de Lacan é que o sujeito é um efeito do significante que extrai do Outro.
O simbólico por sua vez exerce seus efeitos sobre o imaginário. Porém é
necessário lembrar que a linguagem não sustenta uma garantia absoluta acerca da
tradução ou da significação que se propõe, há sempre uma falta. Isto é, embora
Lacan já tenha nos provocado com Lalangue já sabemos que por mais aproximação
que exista entre a expressão da criança e a mãe, há sempre um falha.
Um outro ponto importante é pensar que para Lacan, a função paterna
estabelece uma função de castração, barreira a este Outro e que isto é
fundamental na estruturação psíquica, uma vez que a função paterna introduz a
dimensão de um direito ao gozo e paradoxalmente o significante introduz uma
causa de gozo. A castração em Lacan não é obstáculo, é impossibilidade de gozo
que abre uma via do desejo possível. Acreditar na ideia que o saber
inconsciente afeta o corpo, é sustentar a ideia de que o sujeito é efeito do
significante mas o inconsciente promove um efeito no corpo. Lacan usa uma
fórmula em “posição do inconsciente”: o trauma é a inscrição de um significante
que comemora o instante do gozo. Nesse sentido, há uma dimensão em que a
inscrição do significante produz um efeito de memória que condiciona a
repetição. Existe no significante do trauma um saber sobre o gozo a repetir. Há
então um laço íntimo entre o sintoma, como modalidade de gozo e o trauma como
um gozo irruptivo. O sintoma inclui o trauma.
FPS em Psicanálise
Apesar de Freud, não ter falado diretamente do FPS “fenômeno
psicossomático” é em sua revisão literária que encontramos vários aportes para
desenvolver tais questões. Arranz, 2009 nos orienta neste percurso já que teceu
uma publicação ddicada a fazer esta didática revisão em Freud. Segundo a autora
o FPS pode ser pensado em Freud fazendo uma relação direta a teoria do Eu, da
Pulsão e do Narcisismo. Uma vez que localizaria o FPS ao auto-erotismo como uma
lesão de destruição do órgão sobre a necessidade. Dito de outro modo,
poderíamos pensar que o FPS estaria remetendo a uma época do infantil que o
sujeito encontra seu prazer na relação com o próprio corpo. Quando Freud
escreve o texto de 1915 sobre a pulsão e seus destinos, descreve alguns
destinos comuns para as pulsões do sujeito, seriam elas: o retorno sobre a
própria pessoa “masoquismo”, para o Outro “Sadismo”, o Recalque e a Sublimação.
Deste modo podemos compreender o FPS conforme um destino de masoquismo, em que
o sujeito encontra em seu próprio corpo seu
gozo.
Mais adiante no texto de 1920 “ Mais Além do Princípio do Prazer”, a
autora compreende que o FPS estaria fusionada (lesão) com a pulsão de morte e a
tentativa de (inscrição) com a pulsão de vida, de modo que o FPS estaria “fora”
do recalcado e sua fixação seria como um signo. Relembrando de algumas
pontuações de Freud neste texto, sabemos que ele escreve o Mais Além do
Princípio do Prazer para dar conta de alguns aspectos clínicos tais como a
repetição em que o que ele havia escrito anteriormente não havia sido
suficientes, refiro-eme a máxima de que uma psicanálise seria passar o conteúdo
inconsciente para a consciência e assim obteveríamos um efeito, neste texto
Freud mostra com o exemplo de alguns pacientes através da repetição que existe
algo a mais, ou seja, a satisfação da pulsão de morte estaria neste Mais Além.
Portanto, pensar clinicamente em alguns casos em que a pulsão de morte deixa
suas marcas, nos é sempre um desafio. [7]
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que surge então como questão é que haja
u dispositivo que toque o Real ao Real. O analista podendo intervir não
só apontando o recalcado mas ao ponto de modificar o modo de satisfação de um
sujeito com seu inconsciente. Para que obtenha um novo modo de satisfação, uma
nova identidade, que não seja mais um sintoma auto-erótico
Mais ainda uma psicanálise se ocupa de tratar o Real pelo simbólico, de
modo que aquilo que não cessa de se increver, se escreva ainda que não a
plenitude, mas que estes alcances possíveis retratam um efeito no sujeito, no
corpo, na angústia e no modo de se relacionar com seu o Gozo.
Conforme, Mucida 2012 é a insistência do Real que permitiu a invenção do
dispositivo analítico e obriga os analistas a revisitarem sua prática e os
conceitos com os quais operam. E neste caso operar com a interpretação tendo em
vista o Real fora de sentido, promovendo um saber fazer com o Real que parasita
o gozo, com efeitos sobre a satisfação, ajudando o ser falante a se desembaraçar
no mundo, ainda que não seja um mundo de representação.
5.
REFERÊNCIAS
ARRANZ,Z.L. La perspectiva freudiana Del fenômeno psicossomático. Buenos Aires:
Letra viva, 2009. 174p.
BAGGIO.D. De Novo: O conceito de Com/Pulsão a Repetição e suas implicações na
clínica psicanalítica. Campo Grande; Life, 2014.
GENESINI T. GÓIS E; UYENO E; UENO M. Lalangue: via régia para captura do Real.
Disponível em: http://psicanaliselacaniana.com/estudos/documents/LALANGUE.pdf.
Acesso em: 06/04/2018.
IZCOVICH, L. El cuerpo y SUS enigmas. Medelin: UPB, 2009.107 p.
LACAN, JACQUES. Os
Escritos, Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1969.
MUCIDA, A. Espaço da interpretação e
inconsciente Real. Revista Stylus: A
Lógica da Interpretação. Nov. 2012.n.25.
[1]
Psicanalista, membro da EPFCL, Ms. em Psicanálise pela U.K, Psicóloga.
[2]
Inconsciente Real: tese trabalhada por Lacan para designar o que está fora de
sentido.
[3]
Disponível em: psicanaliselacaniana.com/estudos/documents/LALANGUE.pdf
[4] Jacques Lacan: Conference ET
entetiens dans dês universutés nord-americaines. Scilicet n. 6;7, 1975,
p. 42-45. Apud Genesini.
[5] FREUD.
S. El yo y El ello. En Obras Completas. Buenos Aires, Amorrortu Editores, 2000,
t. XVIII, pág. 25. Apud ARRANZ, 2009.
[7] Vale
lembrar que o auto-erotismo acontece posteriormente a a relação do sujeito com
o Outro. Isto é, justamente porque o sujeito já experienciou algo com o Outro
que pode “aprender” sobre o auto-erotismo.